SÓCRATES

Não posso me chatear por levar um chute de Burro, é difícil levar Burro ao Tribunal, há muito tempo tento levá-los a ter consciência, saber que o único bem é a sabedoria e o único mal é a presunção do saber. É bom ter ideias sobre o que se conhece, não basta ter somente opiniões sobre as coisas, consideremos todas as opiniões, mesmo que não concordemos com elas. O que importa é estar de acordo comigo mesmo e nunca fazer o contrário daquilo que penso.

EU SEI QUE NADA SEI... SOCRÁTES...

29 de junho de 2014

Relação de causalidade no Direito Penal. Conditio sine qua non



Sine qua non ou conditio sine qua non é uma expressão que originou-se do termo legal em latim que pode ser traduzido como “sem a/o qual não pode ser”. Refere-se a uma ação cuja condição ou ingrediente é indispensável e essencial.

Relação de causalidade no Direito Penal.

Teorias da equivalência das condições, da causalidade adequada e da imputação objetiva sem mistérios

Sumário: I – Introdução; II - As teorias da relação de causalidade no direito penal; III - A teoria adotada pelo Código Penal; IV - Verificação das condutas que causaram o resultado e das que serão alvo de responsabilização penal, conforme a teoria adotada pelo CP (equivalência das condições); V – Crimes a que se aplica o art. 13 caput; VI - Neutralização do regresso ao infinito pelo exame do elemento subjetivo da conduta; e VII – Conclusão.

I - Introdução.

Nexo causal é o vínculo existente entre a conduta do agente e o resultado por ela produzido; examinar o nexo de causalidade é descobrir quais condutas, positivas ou negativas, deram causa ao resultado previsto em lei. Assim, para se dizer que alguém causou um determinado fato, faz-se necessário estabelecer a ligação entre a sua conduta e o resultado gerado, isto é, verificar se de sua ação ou omissão adveio o resultado. Trata-se de pressuposto inafastável tanto na seara cível (art. 186 CC) como na penal (art. 13 CP).

II - As teorias da relação de causalidade no direito penal.

No campo penal, a doutrina aponta, essencialmente, três teorias a respeito da relação de causalidade, a saber:
a) da equivalência das condições ou equivalência dos antecedente ou conditio sine que non, segundo a qual quaisquer das condutas que compõem a totalidade dos antecedentes é causa do resultado, como, por exemplo, a venda lícita da arma pelo comerciante que não tinha idéia do propósito homicida do criminoso do comprador. Essa teoria costuma ser lembrada pela frase a causa da causa também é causa do que foi causado. Contudo, recebe críticas por permitir o regresso ao infinito já que, em última análise, até mesmo o inventor da arma seria causador do evento, visto que, se arma não existisse, tiros não haveria;
b) da causalidade adequada, que considera causa do evento apenas a ação ou omissão do agente apta e idônea a gerar o resultado. Segundo o que dispõe essa corrente, a venda lícita da arma pelo comerciante não é considerada causa do resultado morte que o comprador produzir, pois vender licitamente a arma, por si só, não é conduta suficiente a gerar a morte. Ainda é preciso que alguém que efetue os disparos que causarão a morte. É censurada por misturar causalidade com culpabilidade;
c) da imputação objetiva, pela qual, para que uma conduta seja considerada causa do resultado é preciso que: 1) o agente tenha, com sua ação ou omissão, criado, realmente, um risco não tolerado nem permitido ao bem jurídico; ou 2) que o resultado não fosse ocorrer de qualquer forma, ou; 3) que a vítima não tenha contribuído com sua atitude irresponsável ou dado seu consentimento para o ocorrência do resultado.
Note-se que são alternativas – e não cumulativas – as 3 hipóteses citadas, de modo que a presença de qualquer uma delas faz com que a conduta do agente fique fora da relação de causalidade, isto é, não será reputada causa do resultado. Assim, mesmo que o agente não tenha criado um risco não tolerado nem permitido ao bem jurídico e a vítima não tenha se comportado de forma irresponsável de modo a contribuir para o resultado, se este resultado fosse ocorrer de qualquer forma, a conduta do agente não será considerada causa.
Essa teoria, que veio com a missão de sanar as falhas das outras duas, foi assim batizada porque pretende promover um juízo de tipicidade desvinculado do elemento subjetivo, isto é, afasta a responsabilidade penal antes de se ingressar na análise do dolo ou culpa; não porque visa a responsabilizar alguém objetivamente, como se poderia penssar, visto que não se admite responsabilização objetiva em nosso direito penal (exceto das pessoas jurídicas nos crimes ambientais CF 225, § 3 º).
É criticada porque, embora se intitule autônoma, vale-se da teoria da equivalência das condições (conditio sine qua non), bem como porque reduz em demasia a cadeia do nexo causal. Portanto, no mesmo exemplo da arma, como a simples venda não criou um risco não tolerado nem permitido ao bem jurídico vida tutelado no art. 121 do CP, a conduta do vendedor não pode ser considerada causa do homicídio praticado pelo comprador.
Pegue-se outro exemplo, apenas para melhor elucidar o alcance dessa teoria: Caio vai apostar corrida de carro desautorizada em via pública com Tício. Mévio, sabedor do risco da disputa, aceita ser carona de Caio durante a disputa. Caio bate o carro e sobrevive, mas Mévio vem a falecer. De acordo com a teoria da imputação objetiva, a conduta de Caio não será considerada causa da morte de Mévio porque este, com sua atitude irresponsável – aceitar ser carona de Caio –, consentiu e contribuiu para sua morte. E, se a conduta de Caio não está na cadeia do nexo causal, por óbvio, não incidirá qualquer responsabilidade penal sobre ele.

III - A teoria adotada pelo Código Penal.

Uma vez verificadas as teorias, passa-se à análise da forma como o CP trata a relação de causalidade, em seu art. 13, verbis:
"O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido."
Ao dispor que causa é a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido, nota-se que Código adotou a teoria da equivalência das condições ou conditio sine qua non. Nossa jurisprudência é pacífica nesse sentido. Confiram-se, nesse sentido, recentes acórdãos do E. Superior Tribunal de Justiça, verbis:
"PENAL - RELAÇÃO DE CAUSALIDADE - RESULTADO DELITUOSO – ELEMENTO SUBJETIVO – EXISTÊNCIA – TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL - IMPOSSIBILIDADE.
- O Código Penal, ao adotar a conditio sine qua non (Teoria dos antecedentes causais) para a aferição entre o comportamento do agente e o resultado, o fez limitando sua amplitude pelo exame do elemento subjetivo (somente assume relevo a causalidade dirigida pela manifestação da vontade do agente - culposa ou dolosamente). - Dentro da ação, a relação causal estabelece o vínculo entre o comportamento em sentido estrito e o resultado. Ela permite concluir se o fazer ou não fazer do agente foi ou não o que ocasionou a ocorrência típica, e este é o problema inicial de toda investigação que tenha por fim incluir o agente no acontecer punível e fixar a sua responsabilidade penal.
- Observando-se sob esse prisma, decorre a relação, ainda que tênue, de causalidade entre o comportamento da empresa, através de seu responsável e o resultado morte da vítima.
- Recurso desprovido." RHC 11685 / RS;
"RECURSO ESPECIAL. NEXO DE CAUSALIDADE. VALORAÇÃO ADEQUADA DA PROVA. POSSIBILIDADE.
Configurada a alegada contrariedade ao art. 13, do Código Penal, cabível, o apelo especial com base na alínea "a", do permissivo constitucional. A hipótese dos autos cuida não de reexame de provas, mas sim de valorar a existência de nexo de causalidade entre a conduta do acusado e o evento delituoso (art. 13, do CP). Sendo incerta a relação de causalidade entre a conduta do recorrente e o furto do qual foi condenado, não pode ele ser responsabilizado por crime, porque inadmissível no direito penal a culpa presumida ou a responsabilidade objetiva." (RESP 224709 / MG). (Obs: recomenda-se leitura do inteiro teor deste julgado pois é no corpo do voto que o Min. Relator José Arnaldo da Fonseca, acolhendo o parecer do Ministério Público, afirma que a teoria da equivalência das condições foi a adotada pelo CP.)
Na doutrina, por todos, destacamos a precisa lição de Magalhães Noronha, para quem:
"Dentre as teorias que maior prestígio desfrutam, salienta-se a abraçada por nosso estatuto, no art. 13: a da equivalência dos antecedentes, ou da conditio sine qua non... Consoante ela, tudo quanto concorre para o resultado é causa. Não se distingue entre causa e condição, causa e ocasião, causa e concausa. Todas as forças concorrentes para o evento, no caso concreto, apreciadas, quer isolada, quer conjuntamente, equivalem-se na causalidade. Nem uma só delas pode ser abstraída, pois, de certo modo, se teria de concluir que o resultado, na sua fenomenalidade concreta, não teria ocorrido. Formam uma unidade infragmentável. Relacionadas ao evento, tal como este ocorreu, foram todas igualmente necessárias, ainda que qualquer uma, sem o auxílio das outras, não tivesse sido suficiente. A ação ou a omissão, como cada uma das outras causas concorrentes, é condição sine qua non do resultado. O nexo causal entre a ação (em sentido amplo) e o evento não é interrompido pela interferência cooperante de outras causas. Assim, no homicídio, o nexo causal entre a conduta do delinqüente e o resultado, morte, não deixa de subsistir, ainda quando para tal resultado haja contribuído, por exemplo, a particular condição fisiológica da vítima ou a falta de tratamento adequado.
Em conseqüência desse princípio, as concausas não têm mais o efeito de que gozavam na lei anterior, onde as condições personalíssimas do ofendido e a não-observância do regime médico reclamado pelo estado da vítima (Consolidação das Leis Penais, art. 295, §§ 1.º e 2.º) desclassificavam o crime de morte. Diante do nosso Código, o homicídio não deixa de ser tal, ainda que para o exício concorram outras causas, como, v. g., se o golpe é dado em um hemofílico ou em um diabético, ou se o ofendido não tiver seguido, ainda que voluntariamente, as observações médicas impostas por seu estado. Todas são causas concorrentes para o resultado e não se há de excluir a devida ao agente." (Direito Penal, vol 1., pág. 117/118, Saraiva, 31ª Ed.)

IV- Verificação das condutas que causaram o resultado e das que serão alvo de responsabilização penal, conforme a teoria adotada pelo CP (equivalência das condições).

Ensina a doutrina de Thyren que para se aferir se determinada conduta é causa ou não de um resultado, deve-se fazer o juízo hipotético de eliminação, que consiste na supressão mental de determinada ação ou omissão dentro de toda a cadeia de condutas presentes no contexto do crime. Se, eliminada, o resultado desaparecer, pode-se afirmar que aquela conduta é causa. Caso contrário, ou seja, se a despeito de suprimida, o resultado ainda assim existir, não será considerada conduta.
Exemplifica-se: Tício e Caio estão acomodados a uma mesa do restaurante, quando Mévio, inimigo mortal de Tício, senta-se à mesa ao lado. Caio levanta-se e vai ao toalete; Tício, em seguida, desfecha tiros em Mévio, matando-o. A conduta de Tício é causa do resultado porque sem os tiros não teria havido morte; a de Caio, porém, não, visto que o resultado morte teria ocorrido ainda que não tivesse ido ao toalete.
Atente-se para o fato de que ser causa do resultado não é bastante para ensejar a responsabilização penal. É preciso, ainda, verificar se a conduta do agente considerada causa do resultado foi praticada mediante dolo ou culpa, pois nosso Direito Penal não se coaduna com a responsabilidade objetiva, isto é, aquela que se contenta com a demonstração do nexo de causalidade, sem levar em conta o elemento subjetivo da conduta, como temos no art. 12 do Código de Defesa do Consumidor.
Portanto, dizer que alguém causou o resultado não basta para ensejar a responsabilidade penal. É mister ainda que esteja presente o elemento subjetivo (dolo ou culpa) nessa conduta que foi causa do evento.
Assim, afigura-se mero ponto de partida, pressuposto inafastável da responsabilização penal, concluir que determinada conduta é causa da infração penal, sendo o ponto de chegada a verificação da incidência do elemento subjetivo sobre todas as condutas que foram consideradas causas da infração penal. Vale dizer, somente serão punidas as causas sobre as quais incidir dolo ou culpa de seu agente, ficando as demais livres de qualquer sanção penal, sob pena de se adotar a responsabilidade objetiva, só admitida na responsabilização das pessoas jurídicas nos crimes ambientais.
Observa-se, destarte, que a análise da responsabilidade penal dos crimes passa por duas etapas sucessivas: primeiro, estabelece-se a cadeia de condutas sem as quais o resultado não teria ocorrido; em seguida, verifica-se a incidência do elemento subjetivo sobre cada uma delas, ficando sujeitas à responsabilização penal apenas as causas praticadas mediante dolo ou culpa.
No exemplo da arma, o vendedor, que desconhecia e não aderiu ao propósito criminoso do comprador, não será punido penalmente, a despeito de sua conduta ter sido causa, já que sem arma não teria havido tiros e, conseguintemente, morte.
Assim, a conduta de Caio, no exemplo supracitado do racha do qual resultou a morte de Mévio, seria considerada causa do evento e, como agiu com dolo eventual, segundo entendimento da jurisprudência majoritária, seria punido por homicídio doloso, o que parece ser mais justo, uma vez que o Direito Penal não pode deixar desprotegido – como quer a teoria da imputação objetiva neste caso – o menos esperto que foi incapaz de recusar carona daquele que ia tirar um racha.
Pela teoria da imputação objetiva, porém, a vítima Mévio foi irresponsável, contribuiu para o resultado e consentiu com ocorrência deste, o que afasta a conduta de Caio do nexo causal e, conseqüentemente, da responsabilidade penal. Significa, em última análise e neste caso, trazer para o direito penal o princípio antigo de direito civil segundo o qual ninguém pode se valer da própria torpeza.

V – Crimes a que se aplica o art. 13 caput.

O art. 13 caput aplica-se, exclusivamente, aos crimes materiais porque, ao dizer "o resultado, de que depende a existência do crime", refere-se ao resultado naturalístico da infração penal (aquele que é perceptível aos sentidos do homem e não apenas ao mundo jurídico), e a única modalidade de crime que depende da ocorrência do resultado naturalístico para se consumar (existir) é o material, como, v.g., o homicídio (121 CP), em que a morte da vítima é o resultado naturalístico.
Aos crimes formais (ex. concussão - 316 CP) e os de mera conduta (ex. violação de domicílio - 150 CP), o art. 13 caput não tem incidência, pois prescindem da ocorrência do resultado naturalístico para existirem. Assim, é inviável, ou até mesmo impossível em alguns casos, a formação de uma cadeia de nexo causal a fim de se estabelecer a relação de causalidade. Nesses delitos, cabe apenas a análise da conduta do agente, que, aliada à presença do elemento subjetivo, é suficiente para que se atinjam a consumação, ou melhor, existam. Por exemplo: na concussão, basta o exigir, sendo irrelevante a obtenção ou não da vantagem indevida por parte do funcionário público; na violação de domicílio, o entrar na casa alheia.

VI - Neutralização do regresso ao infinito pelo exame do elemento subjetivo da conduta.

O exame da presença do elemento subjetivo (dolo ou culpa) sobre cada uma das condutas que causaram o resultado neutraliza o regresso ao infinito, pois as desacompanhadas de dolo ou culpa não são punidas penalmente, como a do vendedor que aliena a arma ao assassino sem saber nem aderir ao propósito deste.

VII - Conclusão.

Do exposto, depreende-se que:
1. dentre as três teorias indicadas pela doutrina, o CP adotou a da equivalência das condições (conditio sine que non), no que tem sido seguido pela jurisprudência, como, recentemente, proclamou o E. Superior Tribunal de Justiça, no RHC 11685/RS e no RESP 224709/MG.
2. a teoria da causalidade adequada, por exigir que só seja causa a conduta apta e idônea a causar o resultado típico, termina por misturar causalidade com culpabilidade, visto que obriga o magistrado a fazer precipitado juízo de culpabilidade para descobrir o que era apto e idôneo para gerar o resultado ainda na fase da relação da causalidade, tornando-se confusa, logo insegura;
3. a teoria da imputação objetiva, que reduz sobremaneira a cadeia do nexo causal, além de não ter sido adotada por nosso Código Penal, ainda não se encontra total e seguramente construída, haja vista a falta de consenso entre seus próprios defensores, recebendo, por isso, a conotação de arbitrária por alguns. Sua aplicação é muito tímida pelos Tribunais, não se encontrando nenhum julgado no E. Superior Tribunal de Justiça nem no Supremo Tribunal Federal que a tenha agasalhado. Não deve, por enquanto, ser utilizada;
4. o art. 13 caput do CP só se aplica aos delitos materiais porque os formais e de mera conduta prescindem de resultado naturalístico para existir;
5. pela teoria da conditio sine qua non, adotada pelo CP, para se descobrir se determinada conduta é causa do resultado, deve-se realizar o juízo hipotético de eliminação de Thyren;
6. afirmar que uma conduta é causa do crime não é bastante para ensejar responsabilidade penal, sendo mister, para tanto, que todas as condutas consideradas "causa" do resultado típico tenham sido realizadas mediante dolo ou culpa, o que demonstra que a responsabilidade penal é subjetiva e, nos crimes materiais, é analisada em duas etapas distintas e sucessivas: primeiro a da verificação das condutas que foram causa do resultado; segundo, a do exame do elemento subjetivo em cada uma dessas condutas.
7. de tudo o que se afirmou, respeitadas as respeitosas e ilustres opiniões contrárias, mostra-se mais acertada, a despeito do aludido regresso ao infinito, a aplicação da teoria da equivalência das condições, também chamada de teoria da equivalência dos antecedentes ou da conditio sine que non. Primeiro porque foi a adotada pelo CP; segundo, pela maior segurança jurídica que oferece ao cidadão, em absoluta obediência aos ditames de um Estado Democrático de Direito (CF art. 1º).

Bibliografia:

NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal, vol. 1. SARAIVA, 31ª Ed.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. RT, 4ª Ed.
DELMANTO, Celso e Roberto. Código Penal Comentado, RENOVAR, 5ª Ed.





26 de junho de 2014

Trancamento do inquérito policial

A doutrina comumente trata do arquivamento do inquérito policial, no entanto, são poucos os autores que tratam do trancamento do inquérito policial. Este texto traz alguns aspectos do trancamento do inquérito policial de acordo com aquilo que os Tribunais tem decidido.

Neste texto abordar-se-á as questões referentes ao trancamento do inquérito policial, distinguindo-o da hipótese de arquivamento, esclarecendo seu cabimento e seus efeitos.
Primeiramente, se faz necessário relembramos alguns conceitos que estão diretamente ligados ao tema.
A lei 2033 de 20 de setembro de 1871 definia inquérito policial como sendo “todas as diligências necessárias para o descobrimento dos fatos criminosos, de suas circunstâncias e de seus autores e cúmplices, devendo ser reduzido a instrumento escrito”. Modernamente, o inquérito policial, na lição de Tourinho Filho, é “um conjunto de diligências realizadas pela Polícia Judiciária, visando elucidar as infrações penais e sua autoria”. É o instrumento que apura a materialidade delitiva e a autoria, servindo de base para a propositura de uma futura ação penal.
Para que seja possível a propositura da ação penal, devem estar presentes certas condições, quais sejam, a legitimidade de partes, possibilidade jurídica do pedido, interesse de agir e justa causa. Atualmente, tem-se o entendimento que a materialidade delitiva (que é a comprovação da ocorrência do crime) e os indícios de autoria constituem a justa causa.
A ausência de justa causa constitui constrangimento ilegal, o que permite a impetração do remédio heróico, o habeas corpus, nos termos dos artigos 647 e 648 do Código de Processo Penal, a fim de que o inquérito policial seja trancado.
O termo habeas corpus deriva do latim que significa tenha o corpo. Constitui uma garantia jurídica que protege o direito constitucional do cidadão de ir, vir ou permanecer, bem como o direito de locomoção contra a coação ilegal de autoridade. Tanto a coação – que é a pressão psicológica – como a coerção – que é a violência física – ensejam a invocação do habeas corpus.
Os tribunais de nosso país já se manifestaram no sentido de que, em casos especialíssimos, o habeas corpus pode ser impetrado visando obstar o andamento de inquéritos policiais manifestamente fadados ao fracasso, por se verificar, de imediato, a atipicidade do fato ou mediante prova cabal e irrefutável de não ser o indiciado o seu autor.
O trancamento é a situação de paralisação do inquérito policial, a suspensão temporária, determinada através de acórdão proferido no julgamento de habeas corpus. Embora já tenha havido decisões que determinaram o trancamento do inquérito policial por fundar-se em provas ilícitas (HC 42693-PR), a jurisprudência é pacífica no sentido de que somente caberá o trancamento do inquérito policial quando o fato for atípico, quando verificar-se a ausência de justa causa, quando o indiciado for inocente ou quando estiver presente causa extintiva da punibilidade (HC 20121/MS, Rei. Ministro Hamilton Carvalhido,6aTurma,STJ). No nosso entender, uma quinta hipótese de cabimento do trancamento do inquérito policial seria a situação em que este, para melhor apuração dos fatos investigados, dependa da resolução de questão estranha aos autos.
Importante salientar que, conforme já decidiu nossa Suprema Corte, o habeas corpus é remédio inadequado para a análise da prova (HC- Rei. Celso de Mello – RT 701/401). Desse modo, quando o objetivo é o trancamento do inquérito policial, o motivo para tal decisão deve estar claro e objetivamente demonstrado nos autos.
Visto que o habeas corpus é remédio constitucional que não exige capacidade postulatória para a sua impetração, o próprio investigado poderá propô-lo visando o trancamento do inquérito policial que o investiga. Diferentemente do pedido de arquivamento de inquérito que só pode ser requerido pelo Ministério Público, pois este é o titular da ação penal pública. A título apenas de lembrança, nos casos de ação penal privada, visto estar presente o princípio da oportunidade, não há necessidade do ofendido solicitar o arquivamento do inquérito, porque caso entenda que não há elementos para dar início ao processo, basta deixar de promover o oferecimento da queixa-crime.
Embora o despacho que determina o arquivamento do inquérito policial não faça coisa julgada, este transmite uma idéia de “encerramento”. Enquanto que o trancamento do inquérito policial parece indicar somente uma interrupção temporária do procedimento investigativo e das diligências. Excepcionalmente quando o trancamento do inquérito policial acarretar a extinção da punibilidade, por exemplo com a ocorrência da prescrição, entendemos que o trancamento se transformará em arquivamento, impossibilitando a propositura da ação penal.
Em que pese as diferenças entre o arquivamento e o trancamento do inquérito policial no tocante à titularidade, à suas denominações e à natureza da decisão que concede cada instituto (arquivamento: despacho – trancamento: acórdão), seus efeitos assemelham-se.
A doutrina ao abordar o arquivamento do procedimento administrativo em questão, normalmente, refere-se também aos seus efeitos.
Infelizmente, a doutrina não aborda os efeitos decorrentes do trancamento do inquérito, ficando ao encargo da jurisprudência defini-los.
Na análise dos acórdãos recém proferidos pelos Tribunais, nota-se que, comumente, os desembargadores ou ministros têm que esclarecerem que os efeitos do acórdão que determinou o trancamento do inquérito policial em que certa pessoa é investigada, não se estendem aos fatos típicos que não foram objeto de investigação no inquérito anteriormente trancado em desfavor da mesma pessoa. É obvio que novos fatos típicos ou fatos típicos não investigados poderão ser objetos de posteriores apurações.
Como dito anteriormente, os efeitos do arquivamento e do trancamento do inquérito policial são similares. De forma que, assim como no arquivamento, no trancamento a autoridade policial poderá continuar proceder a novas pesquisas, desde que surjam outras provas (provas novas) que, nos dizeres de Mirabete, “alterem o panorama probatório” dentro do qual foi concedido o acórdão de trancamento do inquérito policial (HC 990.09.150971-0 TJSP – “(...) a sustação do indiciamento não impediu o prosseguimento das investigações (...)”).
Assim, pode-se aplicar a súmula 524 do Supremo Tribunal Federal à hipótese de trancamento do inquérito policial, desde que observadas suas peculiaridades e feitas as adaptações necessárias (“Arquivado o inquérito policial, por despacho do Juiz, a requerimento do Promotor de Justiça, não pode a ação penal ser iniciada sem novas provas” – Súmula 524/STF).
Enquanto o inquérito policial estiver trancado, o titular da ação penal não poderá propô-la. Somente quando efetuadas novas investigações e estas forem apensadas aos autos e desde que supram ou resolvam o motivo determinante de seu trancamento, é que se poderá falar em propositura da ação penal.
Pelo que foi brevemente exposto neste texto, pode-se concluir que o trancamento do inquérito policial constitui medida excepcional, geralmente, em caráter temporário, requerido por meio de habeas corpus. Vimos, ainda, que o trancamento do inquérito policial acarreta os mesmos efeitos que o arquivamento do inquérito policial, assegurando-se à autoridade policial a liberdade de continuar a proceder diligências referentes àquele caso, nos termos do disposto no artigo 18 do Código de Processo Penal.


Referências bibliográficas:

  • Livros:
    • BURLE FILHO, José Emanuel. O arquivamento do inquérito policial/ José Emanuel Burle Filho, Eduardo Silveira Melo Rodrigues.-1.ed.- São Paulo: Fiuza Editores, 1996.
    • CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal/ Fernando Capez.-14.ed.rev.e.atual.-São Paulo: Saraiva, 2007.
    • DAURA, Anderson Souza. Inquérito Policial: competência e nulidades dos atos de policia judiciária./ Anderson Souza Daura.-2.ed.(ano 2007),1ª reimpr.-Curitiba: Juruá, 2008.
    • Dicionário técnico jurídico/organização Deocleciano Torrieri Guimarães.-6.ed.rev.eatual.- São Paulo: Rideel, 2004.
    • TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal/ Fernando da Costa Tourinho Filho.-9.ed.rev.eatual.-São Paulo: Saraiva, 2007.

  • Jurisprudência consultada:
  • STJ - HC 2701-9 - Rei. Costa Lima - DJU 5.09.94, yd 23.113
  • TJSP - HC - Rei. Gonçalves Nogueira - j . 5.12.94 -RT 714/361
  • HC - Rei. Celso de Mello -RT 701/401
  • HC 2012l/MS, Rei. Ministro Hamilton Carvalhido, 6a Turma,STJ

Habeas Corpus ou Habeas Omne?

Ele serve para curar, desde dor de dente, enxaqueca, unha encravada, mal olhado, indiciamento em inquérito policial, trancamento de inquérito policial ou investigação do Ministério Público, até, claro, prisão ilegal.

O instituto do habeas corpus foi extremamente desvirtuado das suas origens. Criado ideologicamente pelos barões ingleses que se contrapunham aos mandos e desmandos do Rei João-Sem-Terra da Inglaterra, em meados do ano de 1215, quando, entusiastas dos estudos jurídicos, passaram a questionar e reclamar a respeito de todas as suas liberdades,  comumente  contestada por aquele, que chegou a indagar: “Por que não me pedem também a minha coroa?” Deu-se, daí, o germe do regime constitucional. Nesta ocasião aqueles barões assinaram a famosa Carta Magna (Magna Charta libertatum, seu Concordia inter regem Johannem et Barones proconcessione libertatum ecclesiae et regni Angliae – 15 de junho de 1215).
Ocorre que, por razões mais políticas que jurídicas, esse instituto, maravilhoso “remédio heróico”, tomou proporções indevidas, abraçando situações totalmente descabidas, a ponto de permitirem ensejar a injustificável interferência do Poder Judiciário nas questões da investigação criminal. Nesta fase, não é demais enfatizar, não existe Jurisdição instalada, embora possam haver atos jurisdicionais, apenas quando se pretenda interferência nos chamados direitos e liberdades individuais, constitucionalmente previstos. Então torna-se preciso chamar o Poder Judiciário à decisão para se obter – prisão, busca e apreensão, dados de caráter sigiloso etc. Mas daí a permitir que a investigação criminal seja trancada – impedida em sentido amplo, e não de uma situação concreta, há uma grande diferença. Parece inafastável possa e deva o Poder Judiciário decidir a respeito de requerimentos, da Polícia e do Ministério Público de determinados procedimentos, inseridos no âmbito da investigação; mas não se consegue entender seja possível “fechar” toda a investigação, quando, para os órgãos de persecução, e especialmente para o Ministério Público – o opinio delicti e dominus litis, existam evidências suficientes e necessárias para o prosseguimento.
Apenas a título de citação e registro, constata-se que no Direito Norte Americano, o instituto de Habeas corpus, inserido no título 28, §§ 2241 a 2255, estabelece o seu cabimento tão somente a pessoas presas, cujas prisões sejam caracterizadas ilegais nos termos únicos dos casos expressos.[1]
Igualmente no Direito espanhol, portanto de origem não anglo saxônica, o Habeas corpus, previsto na Ley Organica 6/1984, é aplicável ou cabível, tão somente para “personas ilegalmente detenidas”, nos termos do artigo 1°, letras “a” a “d”.[2]
Mesmo no Direito Positivo pátrio, nada justifica seja impetrado Habeas corpus contra a instauração de inquérito policial, visando o seu trancamento. Não há, seriamente analisando, configuração de nenhuma das hipóteses previstas nos artigos 647 e 648 do Código de Processo Penal, e tampouco na sua definição na Constituição Federal. A investigação criminal, por si só, não impede e nem ameaça ninguém da sua liberdade de locomoção. É certo que em outras épocas do direito pátrio não haviam medidas legais cabíveis contra as diversas formas de constrangimentos pessoais, e o habeas corpus viu dilatar a sua extensão, mas, com a devidavenia dos entendimentos contrários, inclusive dos nossos tribunais, nada justifica a intromissão do Poder Judiciário ao mandar trancar investigação criminal, impedindo o Ministério Público e a Polícia de exercerem as suas tarefas Constitucionais da persecução penal. O Habeas corpus, extremamente desvirtuado pela nossa doutrina e jurisprudência, fosse aplicado na conformidade da sua criação, deveria servir para coibir prisão ilegal já praticada, e nada mais. O que se constata é que esse instituto chegou a tal ponto de prostituição que serve até para impedir indiciamento e prosseguimento de investigação criminal. Teve a amplitude de sua aplicação tão estendida que tudo o quanto não caiba recurso previsto em lei, pode ser objeto de habeas corpus, convertendo-se em verdadeiro curinga criminal – somente em favor dos suspeitos e acusados...
Para externar o nosso pensamento, sem pretender adentrar de forma mais profunda ao tema, deixamos o leitor e os nossos Julgadores com as palavras de, nada menos, que PONTES DE MIRANDA[3], que falam por si:
Só os sofismas desabusados, a trica e o subjetivismo impenitente podem ver nas expressões “liberdade pessoal”, protegida pelo habeas-corpus, outro significado mais amplo que o de liberdade física. Em manter o seu conceito clássico são contestes, não somente os juristas inglêses de todos os tempos, como também os americanos, franceses e alemães”....
Alguns publicistas, ao examinarem as instituições modernas, cotejando-as com as antigas, concluem pela extensão do conceito de liberdade pessoal, quando não foi isso absolutamente, o que se deu, e sim a aplicação dos mesmos institutos, em certo momento, não acastelados por eles, ou direitos outrora, ou ainda há pouco, tutelados insuficientemente. Entre nós, por exemplo, não foi a liberdade pessoal que se dilatou ali pelo segundo e terceiro decênios do século: foi o habeas-corpus abusivo que se estendeu, sob a oratória de homens políticos, a novos casos”.
“Liberdade pessoal, aí, é (e sempre será) a liberdade de locomoção, the power of locomotion, a liberdade física: ius manendi, ambulandi, eundi ultro citroque”.
A verdade é que a utilização indiscriminada do instituto acaba por subverter o seu verdadeiro objetivo, tornando-o, no mais das vezes sem crédito e impedindo a nobre função a que se presta.
A situação jurídica se encaixa bem com o provérbio: “Se enlameares a água limpa nunca encontrarás o que beber”[4]

Notas
[1] Federal Criminal Code and Rules, West Group, 2000, págs. 1242 e segs.
[2] Ley de Enjuiciamiento Criminal, Ed. Civitas, 1995, págs. 493 e segs.
[3] “História e Prática do Habeas corpus”. Editor Borsoi, 1961, págs 27/28
[4] Expressão extraída de Eumênides de Ésquio (vv. 694s.)

22 de junho de 2014

NOTITIA CRIMINIS X DELATIO CRIMINIS

NOTITIA CRIMINIS X DELATIO CRIMINIS


NOTITIA CRIMINIS X DELATIO CRIMINIS
                                                           NOTITIA CRIMINIS (STRICTO SENSU)
NOTITIA CRIMINIS
   (LATO SENSU)                            DELATIO CRIMINIS
Comunicação do Crime
- A Notitia Criminis (stricto sensu) é a comunicação que a vítima faz da infração penal que sofreu. Nesse caso, a própria vítima se dirige à autoridade policial, com a finalidade de informar que foi vítima de uma determinada infração penal.
Vale lembrar, que a infração penal é um gênero, que comporta duas espécies distintas: crimes e contravenções.
- A Delatio Criminis é a comunicação efetuada por qualquer um do povo. Obviamente, ela só será possível nos crimes de ação penal pública, uma vez que os crimes de ação penal privada dizem respeito à própria vítima e nada poderá ser feito sem a sua autorização.
- O que o Delegado de Polícia faz acerca da Delatio Criminis?
Ele instaura a VPI (Verificação de Procedência de Informação). Daí, ele vai ao local, busca informações, investiga as redondezas, conversa com possíveis testemunhas, faz operações na região, tudo com a finalidade de verificar se as informações são procedentes ou não.
O que é considerado inconstitucional é a prisão para investigação. Porém, a VPI é totalmente constitucional. Ela está representada pelas pastas brancas na Delegacia de Polícia (as pastas vermelhas são os autos de prisão em flagrante e as pastas brancas são as VPI’s).
Se a informação da Delatio Criminis era procedente, o Delegado de Polícia vai instaurar o inquérito policial. Porém, se a informação era improcedente ou inconclusiva, o Delegado de Polícia vai acautelar aqueles dados, guardando-os por período indeterminado.
- O disque-denúncia é uma forma de Delatio Criminis Anônima, também chamada de Delatio Criminis Inqualificada (pois não há a qualificação daquele que a forneceu).
A CF/88 veda o anonimato. Por isso, algumas pessoas dizem que o disque denúncia seria inconstitucional. Porém, devemos atentar para o seguinte fato: sempre que tivermos o choque entre direitos assegurados pela CF/88, teremos que fazer a PONDERAÇÃO DE INTERESSES!

rogerio

21 de junho de 2014

Eficácia da sentença penal absolutória e condenatória no juízo cível

TEXTO RETIRADO DE BLOG, GRIFOS POR MINHA CONTA FINALIDADE ESTUDAR.

Eficácia da sentença penal absolutória e condenatória no juízo cível

Sumário: Introdução. I - A independência da jurisdição. II - Sentença penal absolutória. III - Sentença penal condenatória. Considerações finais.

Resumo: Analisar a complexidade dos paradigmas penal e civil diante de fatos que poderão vir a ser apreciados quer pelo juiz do cível, quer pelo juiz penal em relação à eficácia da sentença penal absolutória e condenatória. Antes, porém, proceder a uma breve análise da independência da jurisdição, objetivando a apuração da responsabilidade civil do autor do ilícito penal.

Palavras-Chave: sentença penal absolutória. sentença penal condenatória. juízo cível. eficácia.

INTRODUÇÃO

O objetivo do presente trabalho é o de fazer considerações sobre os reflexos da sentença penal absolutória e condenatória em relação ao juízo cível.

Tomar as opiniões dos estudiosos da matéria com o intuito de compreendê-la de forma clara e sucinta. Buscar o questionamento a respeito da influência da sentença penal, na seara do juízo cível. Questionar os limites de atuação do juiz do cível, quando a esse respeito tenha a matéria, objeto de sua análise, sido debatida na seara penal.

Com esses objetivos é necessário trilhar, ainda que brevemente, os caminhos da teoria geral do processo, especificamente no tocante à independência da Jurisdição, a fim de apurar a responsabilização civil do autor do ilícito penal.

Necessário ainda, percorrer os meandros do novo código civil, do código de processo civil e do código de processo penal, com o objetivo de identificar a responsabilidade civil advinda da ilicitude penal.

1. A INDEPENDÊNCIA DA JURISDIÇÃO

Na lição de Humberto Theodoro Júnior melhor que conceituar a jurisdição como um poder prefere, seguindo os passos de Couture, considerá-la, nos seguintes termos: “jurisdição é a função do Estado de declarar e realizar, de forma prática à vontade da lei diante de uma situação jurídica controvertida”.[2]

Como decorrência do poder soberano do Estado a jurisdição é una. A par disso, a doutrina divide a jurisdição, para efeitos didáticos, de divisão de trabalho e de competência, da seguinte forma: a) jurisdição penal ou civil; b) especial ou comum; c) superior ou inferior; d) jurisdição de direito ou de equidade.

Em razão do tema abordado, nos interessa, nesse momento a classificação da jurisdição pelo critério de seu objeto, ou seja, a jurisdição penal e civil.

Partimos do pressuposto de que é inegável o relacionamento existente entre a jurisdição penal e civil. A esse respeito, Antonio Carlos de Araújo Cintra, leciona:

“A distribuição dos processos segundo esse e outros critérios atende apenas a uma conveniência de trabalho, pois na realidade não é possível isolar-se completamente uma relação jurídica de outra, um conflito interindividual de outro, com a certeza de que nunca haverá pontos de contato entre eles. Basta lembrar que o ilícito penal não difere em substância do ilícito civil, sendo diferente apenas a sanção que os caracteriza; a ilicitude penal é, ordinariamente, mero agravamento de uma preexistente ilicitude civil, destinado a reforçar as conseqüências da violação de dados valores, que o Estado faz especial empenho em preservar”.[3]

Há em nosso direito, causa de natureza penal, civil, comercial, tributária, enfim. Desse modo, é comum a divisão de tarefas, ou seja, divide-se a jurisdição entre os juízes, dando a uns, competência para apreciação das lides de natureza penal e a outros, as demais, de natureza não penal.[4]

Vicente Greco Filho ensina que a jurisdição é nacional, e sua divisão, é meramente técnica, e tem por escopo a busca da resolução das diversas formas de conflitos que se apresentam ao Judiciário.[5]

Diante da enorme gama de conflitos que são levados ao Poder Judiciário, um único fato, poderá constituir ilícito civil e penal ao mesmo tempo. Esse fato poderá vir a ser apreciado, em tese, por dois Juízes, ou, por apenas um, ora investido da função penal e, ora da civil.

A questão, porém é saber se a jurisdição de um possui reflexos sobre a do outro, e em qual medida, vale dizer, se depende ou não da manifestação do outro magistrado. Se aquilo que foi decidido por um juiz será aproveitado por outro e até que ponto.

Prescreve o artigo 935, do Código Civil Brasileiro:

“A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal”.

Assim, a polêmica se instaura, na medida em que se analisa o mencionado dispositivo. Como pode a lei dizer que a responsabilidade civil é independente da criminal, nos termos do “caput” do artigo mencionado e, ao mesmo tempo mencionar que determinadas questões quando decididas no juízo criminal farão coisa julgada no cível.

Segundo os ensinamentos de José de Aguiar Dias, em comentários ao disposto no art. 1525 do Código Civil de 1916, correspondente ao atual 935 do Código Civil Brasileiro vigente, diz:

“Não cremos existir mais clara interpretação do art. 1525 do Código Civil, reduzida por Mendes Pimentel a esta fórmula: “o injusto criminal nem sempre coincide em seus elementos com o injusto cível; quando, reconhecidos, na instância penal, o fato e a autoria, ainda assim for o acusado declarado não delinqüente, por faltar ao seu ato alguma das circunstâncias que o qualificam criminalmente (por não estar completo o subjektiv tatbestand, como dizem os alemães) o julgado criminal não condiciona o civil, para o fim de excluir a indenização, porque não são idênticos num e noutro direito os princípios determinantes da responsabilidade; no crime a responsabilidade por culpa é exceção, e no cível é a regra. ”[6]

A verdade é que a jurisdição é una e indivisível, mas, não existe na jurisdição uma independência ou uma interdependência absoluta. Um mesmo fato poderá sofrer responsabilização tanto na esfera criminal, quanto na esfera civil, concomitantemente.

Dessa forma, o trabalho realizado pelo juiz do crime, em determinadas hipóteses, não poderá mais ser questionado pelo juízo cível, em face da visível interdependência relativa das jurisdições. A posição jurisprudencial firmada pelo STJ segue o entendimento consagrado de que a jurisdição é independente, no entanto, essa regra não é absoluta. [7]

O art. 63 do Código de Processo Penal Brasileiro prescreve:

“Transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros”.

Ante as considerações até aqui trazidas, passaremos ao tópico seguinte que trata da sentença penal absolutória, a fim de verificarmos se está também possui reflexos na área cível, sem antes, porém, verificarmos o seguinte aresto(acórdão):

“Responsabilidade Civil. Jurisdições Cível e Criminal. Intercomunicam-se as jurisdições cível e criminal. 

A segunda (Criminal)repercute de modo absoluto na primeira quando reconhece o fato ou a sua autoria. Nesse caso, a sentença condenatória criminal constitui título executório no cível. 

Se negar o fato ou a autoria, também de modo categórico, impede, no juízo cível, questionar-se o fato. Diferentemente, porém, se a sentença absolutória apoiar-se em 

ausência ou insuficiência de provas, 


ou na inconsciência da ilicitude.


Remanesce (ficar de sobra, resto.), então o ilícito civil” (STJ – 2ª T. -Resp – Rel.Vicente Cernicchiaro – j. 7.2.90 – RSTJ 7/400).[8]


Extrai-se num primeiro momento o entendimento de que há uma interdependência da jurisdição. 
E que a sentença criminal subordina de forma absoluta o juízo cível, quando reconhece a imputação do fato e de sua autoria, fazendo com a sentença criminal seja considerada título executável no cível.

2. SENTENÇA PENAL ABSOLUTÓRIA

O Código de Processo Penal em seu artigo 386 apresenta em seus incisos, seis hipóteses de absolvição. Fernando Capez alerta que os incisos pares (II, IV e VI) dizem respeito a hipóteses de falta de provas e que ensejam (Oportunidade, chance de avanço ou progresso)o ajuizamento de ação de reparação de danos, na esfera do juízo cível. [9]

Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:
- estar provada a inexistência do fato;
II - não haver prova da existência do fato;
III - não constituir o fato infração penal;
IV - não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal;
IV - estar provado que o réu não concorreu para a infração penal; (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)
- existir circunstância que exclua o crime ou isente o réu de pena (arts. 17, 18, 19, 22 e 24, § 1o, do Código Penal);
- não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal; (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)
VI - não existir prova suficiente para a condenação.
VI - existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1º do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência; (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)
VII - não existir prova suficiente para a condenação. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)
Parágrafo único. Na sentença absolutória, o juiz:
- mandará, se for o caso, pôr o réu em liberdade;
II - ordenará a cessação das penas acessórias provisoriamente aplicadas;
II - ordenará a cessação das medidas cautelares e provisoriamente aplicadas; (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)
III - aplicará medida de segurança, se cabível.

Portanto, não é somente a sentença penal condenatória que reflete no cível, mas também a sentença absolutória haverá de produzir os seus reflexos. [10] Desse modo, passaremos a analisar o artigo 386, do CPP, e necessário, portanto, transcrevê-lo:

“O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça":

I- estar provada a inexistência do fato; 
II- não haver prova da existência do fato; 
III- não constituir o fato infração penal; 
IV- não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal; 
V- existir circunstância que exclua o crime ou isente o réu de pena (arts.17,18,19,22 e 24, § 1º, do Código Penal); 
VI- não existir prova suficiente para a condenação.

Observemos, portanto, cada um dos incisos do artigo 386, do CPP, que regula a disciplina da sentença penal absolutória, e os seu reflexos em relação à justiça civil.

2.1. Estar provada a inexistência do fato (o fato não existiu)

Previsto no inciso I do dispositivo mencionado. 
Se em consequência das provas produzidas nos autos ficar comprovado que o fato não existiu, impõe-se a absolvição.

Para uma melhor compreensão do dispositivo, valemo-nos dos ensinamentos de Mirabete, nos seguintes exemplos: 

1 - o agente é acusado de homicídio e de repente a pseudo-vítima reaparece totalmente íntegra fisicamente. 

2 - Num segundo exemplo, menciona a hipótese que a coisa a qual achara que se havia subtraído, apareça dentro do automóvel do pseudo-ofendido, onde este a deixara.[11]. Desse modo houve uma comprovação efetiva que a acusação não conseguiu provar a existência do fato imputado ao agente.

Pelos dois exemplos acima fica fácil perceber que a sentença penal absolutória, com fulcro (apoio) no inciso I do mencionado art. 386, do CPP reflete diretamente no Juízo cível (O juiz do civil não poderá contrariar). Contraditório seria o juiz penal afirmar que o fato não existiu e ainda assim, o juiz do cível dizer que o fato existiu.

Observa-se que a repercussão no juízo cível é importantíssima, já que impossibilita o ajuizamento da ação civil ex delicto, necessária para a busca da reparação do dano.

O art. 66 do CPP permite o ajuizamento da ação de reparação civil, mesmo em face da sentença absolutória no criminal, quando esta (absolutórianão houver reconhecido categoricamente a inexistência material do fato

Porque quando ela (absolutória) reconhecer a existência do fato poderá ajuizar a ação civil ex delicto.

Por conseguinte, na hipótese de reconhecimento da existência material do fato, permite-se o ajuizamento da ação civil.

Nesse sentido, faz coisa julgada no cível a sentença penal absolutória que reconhece categoricamente a inexistência material do fato, excluindo, portanto, além da responsabilidade penal, também a civil.[12]



2.2. Não haver prova da existência do fato

Nessa hipótese, o fato delituoso pode até ter ocorrido, mas não houve dentro do processo um perfeito esclarecimento.

Mirabete exemplifica mencionando dois exemplos que retratam a hipótese. 

Na acusação de furto o processo não logrou êxito em comprovar ter a coisa sido subtraída ou perdida pela pseudo-vítima, sendo que num outro exemplo, 

menciona a hipótese em que, o laudo encartado nos autos ou a prova testemunhal, não comprova tenha havido conjunção carnal afirmada pela vítima de estupro ou no caso de corrupção de menores.[13]

No inciso II, do art. 386, do CPP, permite-se à responsabilização no juízo cível, muito embora tenha ocorrido absolvição na esfera penal.[14]

Assim, o processo penal não conseguiu comprovar a existência do fato por não haver provas suficientes, o que não significa que tal fato não tenha existido, mas, que simplesmente, não restou comprovado. Possível, portanto, a responsabilização civil do agente.



2.3. Não constituir o fato infração penal

O artigo 67, inciso III, do CPP, prescreve(estabelece)que a sentença absolutória que decidir que o fato imputado ao acusado não constitui crime, não impedirá a propositura da ação civil.[15] Sabe-se que se o fato for um atípico penal, ou seja, não constituir um ilícito penal, nada impede seja ele considerado um ilícito civil, dada às peculiaridades da jurisdição em sede penal e civil, já que a primeira tem por escopo a busca da verdade real.[16]

Nesse exemplo, Mirabete, exemplificando, menciona a hipótese do agente acusado da prática do ilícito penal de estelionato, e o processo vem a concluir que o que ocorrera, na verdade, foi uma fraude civil. Num segundo exemplo, menciona hipoteticamente a situação em que paira uma acusação de crime de bigamia, prevista no artigo 235 do Código Penal e, constata-se que o casamento anterior do agente tenha sido anulado. [17]

2.4. Não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal

Previsão do inciso IV. Hipótese em que não há comprovação de que tenha o réu executado o crime ou a menos participado dele. Como no direito penal vige o princípio do in dúbio pro reo, o juiz criminal o absolverá quando estiver diante dessa hipótese. Isso não significará irresponsabilidade civil, que poderá ser devidamente apurada.[18]



2.5. Existir circunstância que exclua o crime ou isente o réu de pena



Essa hipótese, prevista no inciso V, implica também em absolvição do agente acusado da prática do ilícito penal já que respaldado por circunstâncias que exclui o crime ou isente o réu de pena. 

Ocorre que, em alguma dessas modalidades, diante da situação fática não haverá responsabilização civil.

O art. 65 do CPP prescreve (estabelece) que fará coisa julgada no cível, a sentença criminal que venha a reconhecer ter o ato sido praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. 
Consoante poderemos verificar, nem sempre isso é possível, pois ocorre que diante das circunstâncias do caso concreto, essa regra não funciona como um imperativo absoluto.

A regra, portanto, determina que se a sentença absolutória for motivada em causa excludente de antijuridicidade, não haverá reparação do dano, salvo, quando a lei civil assim determinar. [19]

O inciso V, do art. 386, do CPP, possui uma série de peculiares quando se trata de saber quais os seus reflexos na área cível.

Assim, subsistirá responsabilidade em indenizar a vítima, quando esta não tenha sido considerada culpada pela situação de perigo.

Para melhor compreensão, colacionamos o seguinte exemplo esclarecedor: 

Refletindo sobre uma situação hipotética que ocorre até com certa frequência, do motorista que destrói um automóvel regularmente estacionado, com o intuito de desviar-se de um pedestre imprudente. Desse modo a solução na esfera da jurisdição penal seria a absolvição com fulcro (apoio), no mencionado art. 386, inc. V, do CPP.. E, apesar de beneficiar-se da excludente da antijuridicidade na esfera penal, concernente ao estado de necessidade, previsto nos arts. 23 e 24 do C.P., não poderá se valer dela em face de sua responsabilidade civil, já que obrigado está a reparar o dano sofrido pelo veículo destruído, por tratar-se da hipótese de terceiro inocente, 


com direito de regresso contra aquele pedestre causador da situação de perigo, que se concretizou. [20]

Vejamos:

“ O causador de dano, que age em estado de necessidade, responde perante a vítima inocente, ficando com ação regressiva contra terceiro que causou o perigo (TJSP – 2.º Gr. cams- Elnfrs.-Rel. Costa Manso – j. 25.10.73- RT 509/69).”[21]

Nesse sentido, embora reconhecida na esfera penal à ausência de crime, vez que se operou a exclusão da ilicitude, mesmo assim, nada impede a sua responsabilização em face de uma lide de natureza indenizatória.

2.6. Não existir prova suficiente para a condenação

Hipótese do inc. VI, do mencionado artigo do CPP.. Diz se que mais raras são as sentenças proferidas com base nesse inciso, já que em primeiro lugar, o juiz, na análise dos fatos, adequará a absolvição em um dos incisos anteriores. [22]

Consagra-se novamente o princípio do in dubio pro reo. Mirabete continua dizendo que, havendo dúvida quanto à existência de causas excludentes da culpabilidade e ilicitude, fundamenta-se com esse inciso. E cita o seguinte exemplo: “É o que ocorre, por exemplo, em casos de lesões corporais recíprocas em que os contendores alegam legítima defesa sem que se consiga comprovar a iniciativa da agressão diante da divergência da prova testemunhal”.[23]

Apesar da preciosa observação de Mirabete, a nosso ver, mais fácil, e não o correto, e a ocorrência na prática, de situações que ensejam essa via de absolvição. Na dúvida, absolve-se em consagração do princípio do benefício ao réu.

Observação de grande relevância é a de Fernando Capez, mencionando que o rol do art. 386 não é taxativo. Exemplifica dizendo que na hipótese de restar comprovado que o acusado não foi o autor do fato, hipótese não contida no rol, comumente, o magistrado absolve com base no art. 386, inc. VI e complementa dizendo que a melhor opção seria o alargamento da hipótese do inciso I, tendo em vista os reflexos na justiça civil. [24]



3. SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA
Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.
Pela análise do art. 935, observamos que a responsabilidade civil é independente da criminal. Mas, essa independência é mitigada, posto que decidido no juízo penal a existência do crime e quem seja seu autor, sobre tal fato não mais caberá discussão. Vejamos o seguinte aresto: [25]

Um dos efeitos da condenação é tornar certa a obrigação de indenizar. A responsabilidade civil é independente da criminal; não se poderá, porém, questionar mais sobre a existência do fato quando esta já se acha decidida no crime” (TJSC – 3ª C. – Ap.-Rel. Ayres Gama – j. 22.9.75-RT 513/205).

Assim, se na instância penal houve a comprovação do ato ilícito, não mais haverá necessidade, nem interesse em colocar a matéria em discussão novamente na esfera civil, pois se o fato constitui infração penal, também figurará como ilícito civil. Resta, portanto, saber se houve dano e qual será o seu valor.

Novamente nos socorremos das lições de José de Aguiar Dias apresentada nos seguintes termos:

“A decisão criminal condenatória não só tranca a discussão no cível como, já agora, nos termos do art. 65 do Código de Processo Penal, tem força executória, reduzindo a simples operação de liquidação as atribuições do juízo civil. Bem entendido: a execução só pode ser dirigida contra quem figurou na ação penal ou seu sucessor

Quando o responsável civil, isto é, a pessoa que deve reparar o dano, é outro que não o infrator
o autor material do delito, a sentença de condenação não tem rigorosamente, o mesmo efeito. Mas o responsável há de ser demandado diretamente, o que acontece, por exemplo, no caso de preposto condenado no juízo criminal.”[26]



O Art. 91 do Código Penal faz menção a respeito dos efeitos genéricos da condenação, sendo que no “caput” e inciso I, prescrevem: “São efeitos da condenação: I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime.

Nota-se que a obrigação de indenizar é decorrente, portanto, de obrigação legal, tratando-se de um efeito genérico da sentença e, diferentemente dos efeitos específicos previstos no art. 92 do Código Penal, não haverá necessidade que seja declarada na sentença condenatória, porque decorre da própria lei, responsabilizando o agente a responder civilmente por sua conduta danosa.

Desse modo, nos termos do art. 63 do CPP e do atual artigo 475-N do Código de Processo Civil, instituído pela lei 11.232 de 22 de dezembro de 2005, que revogou o art. 584, II, do CPP, considerar-se-á como título executivo judicial, a sentença penal condenatória.

Maria Helena Diniz apresenta as seguintes regras sobre os feitos civis da decisão prolatada em sede de juízo criminal: se a decisão da instância penal negar a existência material do fato ou quem seja o autor do delito

fechada estarão as portas do juízo civil,

 com o intuito de debater essa questão em eventual ação futura de reparação de danos; nos termos do artigo 65 do CPP, a sentença que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito, fará coisa julgada no cível; nos termos do artigo 66 do CPP prescrever que a sentença absolutória proferida no crime que não tiver reconhecido categoricamente a inexistência do fato, não impedirá a propositura da ação civil para apuração da culpa, no cível, porque sua culpa, apesar de levíssima, poderá ensejar a reparação civil, muito embora, conforme dito, não tenha sido responsabilizado criminalmente. Desse modo, 


não fará coisa julgada no cível, a sentença criminal que não apurar a existência do delito nem quem seja o seu autor

quando no juízo criminal for proferida:
sentença de pronúncia, 
impronúncia ou despronúncia, 
despacho de arquivamento de inquérito policial ou 
decreto de anistia ou 
perdão judicial, 

em nada influirá no juízo cível

posto que perfeitamente possível à apuração da responsabilidade do agente; nos termos do artigo 67, inciso II, do CPP, a decisão que julgar extinta a punibilidade ou a que decidir que o fato imputado não constitui crime, não impedirão seja o julgamento na instância cível livre para responsabilizar o seu agente; as decisões emanadas do juízo cível que disserem respeito a questões relativas ao estado ou dominiais, farão coisa julgada no crime.[27]



CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Diante da pesquisa doutrinária e jurisprudencial aqui realizada, vislumbra-se a existência da denominada independência da jurisdição, muito embora não seja ela absoluta.

É que em determinadas situações, poderá haver apreciação de juízes que possuem competências diversas, como na hipótese de ficar comprovado categoricamente a existência do fato e quem seja o seu autor.

Nesses casos, dita a regra que haverá prevalência da decisão do juiz criminal em face da esfera civil e que por isso, não se terá mais lugar para discussão acerca da natureza indenizatória do ato dito danoso, mas, simplesmente estará o juízo cível compelido a proceder à liquidação do título executivo judicial ilíquido, ou seja, a sentença penal condenatória, já que ela, nesta hipótese, subordina a atuação da justiça civil.

A responsabilização civil, portanto, difere da responsabilização penal em múltiplos fatores, ressaltando que, enquanto no direito penal o autor infringe uma norma de direito público, na responsabilidade civil, a violação se dá frente a uma norma de direito privado.

Não podemos ainda nos esquecer que na hipótese arrolada no inc. V, do artigo 386, do CPP, ou seja, 

nos casos em que o juiz do crime apure a existência de circunstância que exclua o crime ou isente o réu de pena, também estará fechada às portas do cível para eventual discussão acerca de uma pretensão indenizatória.

Atentos, porém, nesse caso, para a ressalva da vítima como causadora do perigo, o que possibilitaria a apreciação do juiz civil e ensejaria a responsabilidade civil ou até mesmo, na hipótese de ocorrência da aberratio ictus, prevista no art. 74 do Código Penal Brasileiro.

Art. 74 - Fora dos casos do artigo anterior, quando, por acidente ou erro na execução do crime, sobrevém resultado diverso do pretendido, o agente responde por culpa, se o fato é previsto como crime culposo; se ocorre também o resultado pretendido, aplica-se a regra do art. 70 deste Código. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Art. 70 - Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Parágrafo único - Não poderá a pena exceder a que seria cabível pela regra do art. 69 deste Código. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Crime continuado

Nas demais hipóteses, nas quais a absolvição do juiz criminal se dá mediante a falta de comprovação dos fatos narrados na exordial, ensejarão profunda discussão na seara civil, pois 
a não configuração da ilicitude penal, nada quer dizer em relação à possibilidade de comprovação do ilícito civil.

REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO
BRASIL. Código Penal, Código de Processo Penal e Constituição Federal. Organizador Luiz Flávio Gomes. 8ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
BRASIL. Código Civil, Código de Processo Civil e Constituição Federal. Organizador Yussef Said Cahali. 5ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 13ª edição. São Paulo: Saraiva. 2006.
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, et al. Teoria Geral do Processo. 9ª edição. São Paulo: Marelheiros.
DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade Civil. 8ª edição; 2º volume. Rio de Janeiro. Editora Forense.1987.
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ROGÉRIO ALVES GODOY