SÓCRATES

Não posso me chatear por levar um chute de Burro, é difícil levar Burro ao Tribunal, há muito tempo tento levá-los a ter consciência, saber que o único bem é a sabedoria e o único mal é a presunção do saber. É bom ter ideias sobre o que se conhece, não basta ter somente opiniões sobre as coisas, consideremos todas as opiniões, mesmo que não concordemos com elas. O que importa é estar de acordo comigo mesmo e nunca fazer o contrário daquilo que penso.

EU SEI QUE NADA SEI... SOCRÁTES...

16 de setembro de 2014

ADVOGADO

É o profissional devidamente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil que tem por competência as atividades privativas de advocacia: a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais; as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas. O exercício da atividade de advocacia no território brasileiro e a denominação de advogado são privativos dos inscritos na OAB. A Constituição Federal prevê que o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei. Veja Lei 8.906/94 e Art. 133 da Constituição Federal.

Constituição Federal de 1988

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.
Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.

ESTATUTO DA ADVOCACIA E DA OAB
Lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994
Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos 
Advogados do Brasil – OAB
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
TÍTULO I
DA ADVOCACIA
CAPÍTULO I
DA ATIVIDADE DE ADVOCACIA

Art. 1º São atividades privativas de advocacia:
I – a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais;
II – as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas. 
§ 1º Não se inclui na atividade privativa de advocacia a impetração de habeas corpus
em qualquer instância ou tribunal. 
§ 2º Os atos e contratos constitutivos de pessoas jurídicas, sob pena de nulidade, só 
podem ser admitidos a registro, nos órgãos competentes, quando visados por 
advogados.
§ 3º É vedada a divulgação de advocacia em conjunto com outra atividade.

Art. 2º O advogado é indispensável à administração da justiça.
§  1º  No  seu  ministério  privado,  o  advogado  presta  serviço  público  e  exerce  função 
social.
§ 2º  No processo judicial, o advogado contribui, na postulação de decisão favorável ao 
seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público. 
§ 3º  No exercício da profissão, o advogado é inviolável por seus atos e  manifestações, 
nos limites desta Lei.



11 de setembro de 2014

EFEITOS DA SENTENÇA CONDENATÓRIA

Efeitos Genéricos
Art.91, CP - São efeitos da condenação:
 I- tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime;
II- a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé:
a) dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito;
b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Ao condenar alguém pela prática de um delito, o Estado-Juiz impõe-lhe a sanção penal que a lei prevê. Todavia essa sanção, que pode ser pena de reclusão, restritiva de direitos, detenção e ou multa, não é a única conseqüência da condenação penal. A condenação penal tem outros efeitos, tanto de natureza penal (efeitos secundários) como de natureza extrapenal (efeitos civis, administrativos, etc).
Neste breve estudo abordarei, especificamente, os efeitos elencados no art. 91, incisos I e II do CPB quanto aos seus reflexos na esfera civil. São os chamados efeitos extrapenais genéricos da condenação.    As conseqüências extrapenais genéricas da condenação com sentença passada em julgado são automáticas, dispensando sua expressa declaração na sentença condenatória. Dentre os efeitos, o que tem maior importância para a vítima, diz respeito ao inciso I do referido artigo, que torna certa a obrigação de indenizar o dano pelo agente causador do crime. Portanto, a condenação penal, a partir do momento em que se torna irrecorrível, faz coisa julgada no cível, para fins de reparação do dano. Tem natureza de título executório, permitindo ao ofendido reclamar em juízo a indenização civil sem que o condenado pelo delito possa discutir a existência do crime ou a sua responsabilidade por ele.
PRIMEIRA PARTE
O crime ofende um bem-interesse, acarretando uma lesão real ou potencial à vítima. Nos termos do código Civil, fica obrigado a reparar o dano aquele que, por ação ou omissão voluntária (dolo) ou negligência ou imprudência (culpa), violar direito ou causar prejuízo a outrem. Conforme acentua o professor Damásio E. de Jesus, a sentença condenatória funciona como sentença meramente declaratória no tocante a indenização civil, pois nela não há mandamento expresso de o réu reparar o dano resultante do crime. Contudo, é muito comum o ofendido, por desconhecimento dos seus direitos, não acionar a justiça para obter a reparação devida. Porém, quando isto ocorre, o interessado não será obrigado, no juízo cível, comprovar a materialidade, a autoria e a ilicitude do fato, já assentes na esfera penal, para obter a reparação do dano. Discutir-se-á apenas o montante  da indenização pleiteada pela vítima do crime em questão. Para efeito de ilustração, cabe ressaltar aqui que o STF já se pronunciou a respeito da sentença em que se concede o perdão judicial como sentença condenatória, valendo, portanto, como título executivo .
Por outro lado, a sentença que julga o agente inimputável, aplicando-lhe medida de segurança, embora considerada na doutrina como condenatória imprópria, é, em termos legais, absolutória, não propiciando assim a sua execução na esfera civil, como observa o nobre doutrinador e professor Julio Fabbrini Mirabete em seu Manual de Direito Penal. Também não é sentença condenatória a decisão que reconhece a prescrição da pretensão punitiva e as sentenças de homologação da composição e da transação penal previstas na Lei 9.099/95.
Transitada em julgado a sentença condenatória e morrendo o condenado, a execução civil  será promovida contra seus herdeiros, nas forças da herança, conforme o princípio da responsabilidade civil do nosso Código Civil . No mesmo sentido, a extinção da punibilidade por qualquer causa, após o transito em julgado da sentença condenatória, não exclui seus efeitos secundários de obrigar o sujeito à reparação do dano (vide art. 67, Inciso II do CPP).
Quando absolvido o condenado em revisão criminal, perde a sentença seu caráter de título executório ainda que já instaurada a execução civil pelo ofendido. Na hipótese de ocorrerem paralelamente  as ações penal e civil , o juiz poderá suspender o curso desta, até o julgamento definitivo, daquela, visando evitar, o quanto possível, decisões contraditórias. Sendo pobre na forma da lei o titular à reparação do dano, a execução poderá ser promovida pelo Ministério Público, a seu requerimento (vide art. 68 do CPP). O interessado também poderá recorrer a Defensoria Pública da Comarca.
No caso de homicídio, por exemplo, a reparação do dano consiste no pagamento de todas as despesas decorrentes do fato criminoso e na prestação de alimentos às pessoas a quem o defunto os devia. Cabe assinalar que o dano moral, na questão em comento, também é devido, especialmente nos crimes contra a honra e contra os costumes. As indenizações (dano material e ou moral) de que trata o presente estudo estão regulamentadas no Código Civil.
Por fim, encerrando a primeira parte do breve estudo, embora a responsabilidade civil seja independente da criminal, faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhece ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito, quando o ofendido não deu causa. Cabendo nestes casos, para aquele a quem recai a obrigação de reparar o dano, a ação regressiva contra o agente causador ou beneficiário.
SEGUNDA PARTE
Quanto ao inciso II do mesmo artigo em comento, diz respeito aos interesses do Estado. Constitui uma espécie de confisco com a perda de instrumento e do produto do crime para a União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiros de boa-fé. É importante observar que a lei não prevê a perda para o Estado quando da prática de contravenção, embora haja divergência doutrinária a respeito. A perda em relação ao produto ou proveito auferido pelo crime alcança as coisas  obtidas diretamente ou mesmo indiretamente com a prática do crime. Inclusive, há jurisprudência quanto a inadmissibilidade na devolução, ainda que sobrevenha a prescrição da pretensão executória.
O confisco, como efeito da condenação, é o meio através do qual o Estado visa impedir que instrumentos idôneos para delinqüir caiam nas mãos de certas pessoas, ou que o produto do crime enriqueça o patrimônio do delinqüente. Quanto aos instrumentos do crime, somente podem ser confiscados os que consistirem em objetos cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua ato ilícito. Não são confiscados, embora possam ser apreendidos, os instrumentos que eventualmente foram utilizados para a prática do crime. Os instrumentos e o produto do crime passam a integrar o patrimônio da União, procedendo-se, conforme a hipótese, a leilão público ou destruição, conforme a lei determinar.
Pode-se também efetuar o “seqüestro” dos bens imóveis adquiridos pelo indiciado com os proventos do crime, ainda que já tenha sido transferido a terceiro (vide art. 125 ss do CPP).
Na legislação especial que regulamenta o art. 243 da CF, a Lei 8257/92, dispõe sobre a expropriação das glebas em que se localizarem culturas ilegais. Este confisco, porém, independe de ação penal, mas sim de ação civil apropriada. No mesmo sentido temos a perda de bens e valores no caso de enriquecimento ilícito de agentes públicos ( Lei 8429/92).
Ademais, regra geral, o confisco só ocorre com o transito em julgado da sentença condenatória, sendo inadmissível durante o andamento do processo. Cabe ressaltar que o confisco não se confunde com a apreensão. Pois, a apreensão dos instrumentos e objetos relacionados com o crime deve ser determinada pela autoridade policial, e não podem ser restituídos antes de transitar em julgado a sentença final, salvo quando os objetos apreendidos não mais interessar ao processo e não restar dúvida quando ao direito do reclamante. A restituição, quando cabível, poderá ser ordenada pela autoridade policial ou juiz, mediante termos nos autos. Quando houver dúvida quanto ao legítimo proprietário, o juiz remeterá as partes para o juízo cível.
Por fim, regra geral, o produto do crime deverá sempre ser restituído ao lesado ou ao terceiro de boa-fé. Assim , só se efetivará o confisco em favor do Estado na hipótese de permanecer ignorado o dono ou, não reclamados os bens ou valores  por quem de direito.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme discorre o Dr. Vladimir Brega Filho em seu interessante artigo intitulado: A reparação do dano no direito penal brasileiro – perspectivas, ao analisarmos o Código Penal Brasileiro, percebemos  que a referência à reparação do dano é mínima e o que ocorreu durante muito tempo foi o esquecimento da vítima pela política criminal do país, preocupada exclusivamente com a imposição da pena. Sobre isso, ele cita Edgar de Moura Bittencourt, que  escreveu: “A pessoa e o infortúnio da vítima estão na lembrança do povo enquanto dura a sensação do processo. Há por vezes, dirigida em prol do ofendido uma onda de caridade, que se mescla com a revolta contra o criminoso. O processo passa, a condenação subsiste por vários anos. O criminoso é quase sempre lembrado. A vítima cai no esquecimento; quando muito, um ou outro, ilustrado na literatura policial de jornais, guardar-lhe-á o nome”.
Esse “esquecimento” da vítima perdurou por muito tempo no direito brasileiro, e somente em data recente a situação vem se revertendo. Algumas leis editadas nos últimos dez anos procuraram introduzir instrumentos e penas para garantir a reparação do dano.
Mesmo diante dos últimos avanços no campo da reparação do dano, segundo o nobre articulista, muito ainda precisa ser feito. Embora Leis recentes como a 9.099/95 tenha trazido importantes instrumentos para a busca da reparação, no Brasil pobre em que vivemos, onde a situação dos réus reflete a situação do país, não há dúvida de que a maioria deles são pessoas pobres e incapazes de reparar o dano. Diante disso, todo e qualquer avanço no campo da reparação do dano esbarra na impossibilidade material dos réus. Já em 1973, Edgar de Moura Bittencourt escreveu o seguinte: “Quando o infrator tem recursos, é simples a restauração do equilíbrio econômico, com a correlata ação de indenização, que a lei civil outorga ao ofendido contra seu ofensor. Mas quando este não tem com que indenizar ou pelo menos com o que indenizar cabalmente (talvez esta seja a maioria dos casos), restará a injustiça social, pelo desequilíbrio econômico”. Solução interessante poderia ser a instituição de um fundo de reparação de danos às vítimas, constituído da receitas obtidas com as multas e com verbas estatais.
O Estado, em última instância, tem por obrigação garantir os bens jurídicos e, em caso de lesão, deve promover a sua indenização. A responsabilidade do Estado será sempre objetiva, qualquer que seja a natureza da conduta (comissiva  ou omissiva), de seus agentes, no sentido amplo do termo, bastando ao particular somente fazer a prova do dano, da conduta danosa e do nexo de causalidade para se ver ressarcido dos prejuízos suportados. O Estado, para elidir tal responsabilidade, deverá fazer prova de que o dano foi ocasionado por força maior, caso fortuito,  estado de necessidade ou culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, segundo a melhor doutrina.
       Finalmente,  sabemos que a responsabilidade civil engloba as perdas e danos materiais e morais. Não obstante a estas penalidades a quem comete ato ilícito, há que se falar também na responsabilidade penal de quem é obrigado a pagar multa (uma forma de indenizar o Estado ou a vítima). Contudo,  a pena pecuniária restritiva de Direito chamada multa, não guarda relação com a responsabilidade civil, ou seja, mesmo sendo condenado a uma pena restritiva de direito de caráter de multa o agente ainda assim terá a responsabilidade de indenizar a vítima do seu ato criminoso.

Referência bibliográfica
- BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal, Parte geral. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
- CAPEZ, Fernando – Curso de Direito Penal – Parte Geral, 1ª edição, Editora Saraiva, 2000.
- DAMÁSIO, Jesus Evangelhista – Direito Penal, Parte Geral, São Paulo: Saraiva, 1999.
- DELMANTO, Celso – Código Penal Comentado, 3ª edição, Editora Renovar – 1997.
- E. MAGALHÃES NORONHA – Direito Penal – 35ª edição, Editora Saraiva – 2000.
- FRAGOSO, Fernando. A vitimização pelo sistema penal e pelas instituições penitenciárias. Rio de Janeiro: Revista Forense, v. 305, p. 41/43, jan/mar., 1989.
- GARCIA, Carlos Roberto Marcos. Aspectos relevantes da vitimologia. In: RT/Fasc., v. 769, p. 437/455, nov., 1999.
- MIRABETE, Júlio Fabbrini – Código Penal Interpretado, 1ª edição, Editora Atlas – 1999.
 
Legislação específica:
- Constituição Federal / 1988
- Código Penal Brasileiro
- Código Civil Brasileiro
- Código De Processo Penal
- Lei Dos Juizados Especiais – 9099/95

9 de setembro de 2014

SANÇÃO PENAL

CONCEITO
Sanção é a pena, condenação, dada ao infrator de uma norma, após o processo legal onde o autor é julgado. A sanção tem como objetivo a reeducação, a ressocialização da pessoa ao mundo e o seu castigo.
ORIGEM
Segundo a teoria do criacionismo da religião, a primeira sanção da humanidade foi no jardim de Édem quando Adão e Eva desobedeceram a uma ordem de Deus e foram punidos.
Já a teoria do evolucionismo diz que a partir do momento em que o homem começou a viver em sociedade, começaram a estabelecer normas de convivência, e assim surgiu a sanção para quem as violasse.
Com o surgimento das primeiras codificações, como o código de Hamurabi, o código de Manu, etc., ocorre uma modificação nas penalizações dando início ao período da Vingança Divina, onde o perdão correspondia ao tamanho da pena, quanto maior a punição, maior era o alcance do perdão divino.
Logo, com o aprimoramento da sociedade, busca-se uma melhor aplicação da pena, passando para a autoridade pública, onde o monarca aplica a sanção, mas ainda assim ela era cruel, desproporcional e desumana.
Mas a partir do período iluminista, por intermédio das idéias de Beccaria, começou-se a ecoar a voz da indignação com relação a como os seres humanos estavam sendo tratados pelos seus próprios semelhantes, sob a falsa bandeira da legalidade.
Somente no Período Científico, também denominado Criminológico, passa a ter por principal finalidade a busca dos motivos que levam o ser humano a cometer o delito e a pena começa a ser vista como um remédio e não como um castigo. Com a Segunda Guerra Mundial o período Científico termina e inicia o período atual: Neodefensismo ou Nova Defesa Social, que busca a conscientização e valorização do ser humano, para o alcance de uma sociedade digna para com os valores sociais e inerentes a todo ser humano, com o objetivo de dar ao delinqüente o direito de ressocialização e integração social, restabelecendo a dignidade humana e protegendo os direitos humanos, bem como a toda sociedade.
CARACTERÍSTICAS
  1. Legalidade: significa que a pena deve ser prevista em lei vigente a data do fato. (CP, art. 1º, e CF, art. 5º, XXXIX).
  2. Anterioridade: a lei já deve estar em vigor na época em que for praticada a infração penal (CP, art. 1º e CF, art. 5º, XXXIX).
  3. Personalidade: a pena não pode passar da pessoa do condenado (CF, art. 5º, XLV). Assim, a pena de multa, ainda que considerada dívida de valor para fins de cobrança, não pode ser exigida dos herdeiros do falecido.
  4. Individualidadea sua imposição e cumprimento deverão ser individualizados de acordo com a culpabilidade e o mérito do sentenciado (CF, art. 5º XLVI).
  5. Inderrogabilidade: salvo as exceções legais, a pena não pode deixar de ser aplicada sob nenhum fundamento. Assim, por exemplo, o juiz não pode extinguir a pena de multa levando em conta seu valor irrisório.
  6. Proporcionalidade: a pena deve ser proporcional ao crime praticado (CF art. 5º, XLVI e XLVII).
  7. Humanidade: não são admitidas as penas de morte, salvo em caso de guerra declarada, perpétuas (CP, art. 75), de trabalhos forçados, de banimento e cruéis (CF, art. 5º, XLVII).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
TELES, Cinthia Marins.; SÉLLOS, Cláudia de Lima e.; SANTOS, Nivaldo dos. A origem da aplicação das Penas.Disponível em: <http://www.inicepg.univap.br/INIC_2004/trabalhos/inic/pdf/IC6-120R.pdf>. Acesso em: 16 mar. 2009.

31 de agosto de 2014

FUNÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais desempenham diversas funções. Gomes Canotilho (Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6. ed. Coimbra: Almedina, 2002, p. 407-410) menciona as seguintes: função de defesa ou de liberdade; função de prestação social; função de proteção perante terceiros; função de não discriminação.
1. Função de defesa ou de liberdade
A função de defesa ou de liberdade impõe ao Estado um dever de abstenção. Essa abstenção, segundo José Carlos Vieira de Andrade, significa dever de não-interferência ou de não-intromissão, respeitando-se o espaço reservado à sua autodeterminação; nessa direção, impõe-se ao Estado a abstenção de prejudicar, ou seja, o dever de respeitar os atributos que compõem a dignidade da pessoa humana (Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. Coimbra: Almedina, 1998, p. 192).
Em outras palavras, a função de defesa ou de liberdade dos direitos fundamentais limita o poder estatal (ele não pode editar leis retroativas), mas também atribui dever ao Estado (impõe-se-lhe, por exemplo, o dever de impedir a violação da privacidade).
Gomes Canotilho ensina que a função de defesa ou de liberdade dos direitos fundamentais tem dupla dimensão: “(1) constituem, num plano jurídico-objectivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual; (2) implica, num plano jurídico-subjectivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa)” (Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6. ed. Coimbra: Almedina, 2002, p. 407).
A função de defesa ou de liberdade está relacionada com os direitos fundamentais de primeira dimensão. Observe-se, no entanto, que o direito fundamental de não ser torturado exerce dupla função: de um lado, a função de defesa ou de liberdade, exigindo abstenção do Estado, que não pode praticar tortura; de outro, exige a atuação do Estado, visto que este precisa agir para evitar que a tortura seja praticada.
2. Função de prestação social
A função prestacional atribui à pessoa o direito social de obter um benefício do Estado, impondo-se a este o dever de agir, para satisfazê-lo diretamente, ou criar as condições de satisfação de tais direitos. Em regra, está relacionada aos direitos fundamentais à saúde, à educação, à moradia, ao transporte coletivo etc.
A função de prestação social dos direitos fundamentais tem grande relevância em sociedades, como é o caso do Brasil, onde o Estado do bem-estar social tem dificuldades para ser efetivado. Essa realidade impõe que milhões de pessoas fiquem à margem dos benefícios econômicos, sociais e culturais produzidos pela economia capitalista. Essa carência não permite a fruição do mínimo existencial.
3. Função de proteção perante terceiros
Os direitos fundamentais das pessoas precisam ser protegidos contra toda sorte de agressões. Na conflituosidade da vida cotidiana, tais direitos podem ser violados a qualquer instante. É o que ocorre, por exemplo, com os direitos fundamentais à vida, à privacidade, à liberdade de locomoção e à propriedade intelectual. Nessa perspectiva, afirma Gomes Canotilho que “Muitos direitos impõem um dever ao Estado (poderes públicos) no sentido de este proteger perante terceiros os titulares de direitos fundamentais”. (Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6. ed. Coimbra: Almedina, 2002, p. 409).
Trata-se, portanto, como o próprio autor constata, de um vínculo que se estabelece entre indivíduos, em virtude do qual estes se relacionam uns com os outros. Verifica-se, então, a eficácia horizontal dos direitos fundamentais. O Estado, atendendo à função, desempenhada pelos direitos fundamentais, de prestação perante terceiros, atua para proteger tais direitos.
Observam Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins que “o efeito horizontal tem caráter mediato/indireto e, excepcionalmente, caráter imediato/direto. O efeito horizontal indireto refere-se precipuamente à obrigação do juiz de observar o papel (efeito, irradiação) dos direitos fundamentais, sob pena de intervir de forma inconstitucional na área de proteção do direito fundamental, prolatando uma sentença inconstitucional [...] O efeito horizontal imediato refere-se ao vínculo direto das pessoas aos direitos fundamentais ou de sua imediata aplicabilidade para a solução de conflitos interindividuais” (Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 113).
4. Função de não discriminação
A função de não discriminação diz respeito a todos os direitos fundamentais. Refere-se, por exemplo, aos direitos civis e políticos e aos direitos econômicos, sociais e culturais. Nenhuma pessoa poderá ser privada de um direito fundamental em razão de discriminação. Está-se, portanto, diante do princípio da igualdade. É o que expressa a lição de Gomes Canotilho, ao afirmar que “A partir do princípio da igualdade e dos direitos de igualdade< específicos consagrados na constituição, a doutrina deriva esta função primária e básica dos direitos fundamentais: assegurar que o Estado trate os seus cidadãos como cidadãos fundamentalmente iguais” (Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6. ed. Coimbra: Almedina, 2002, p. 409. O autor refere-se à Constituição portuguesa, porém o raciocínio se aplica em face da Constituição brasileira).

A Aplicação do Direito sob a Ótica das Escolas de Interpretação das Normas jurídicas


A Aplicação do Direito sob a Ótica das Escolas de Interpretação das Normas jurídicas

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1. Introdução

O Direito Moderno, que aparece desde o século XIX, é chamado, por excelência, de Direito Dogmático. O início desse processo de dogmatização se deu na Roma Antiga através de um quadro regulativo geral(1) que determinava as leis que seriam impostas, todavia, com o tempo, foram surgindo novas formas de normatização.
A primeira teoria realmente jurídica dos romanos foi a responsa, que depois deu origem à jurisprudência. Com a queda do Império Romano do Ocidente, Justiniano, Imperador no Oriente, realizou o Corpus Juris Civilis, que serviu de base para o Direito Ocidental. A primeira interpretação deste Código foi efetivada no século XI pelos Glosadores.
Dogmático vem de dokéin que significa "doutrinar". O caráter diretivo da Dogmática Jurídica é maior que o informativo, pois sua natureza é deontológica, ou seja, ela não diz como as coisas são, mas sim como estas devem ser, apesar de existir a comunicabilidade a posteriori entre o sein e o sollein.(2) O Direito Dogmático parte de dogmas que não devem ser questionados, é o chamado "princípio da inegabilidade dos pontos de partida" ou "princípio da proibição da negação", como ensina Luhmann.(3)
Há basicamente três pressupostos para a dogmatização do Direito, tornando-o cada vez mais autopoiético(4) ou distinto de outras ordens ético-normativas: a ascenção do Direito escrito em detrimento do consuetudinário, pois o cidadão teria mais consciência dos seus limites; a proibição do non liquet, ou seja, o juiz é obrigado a decidir os litígios; e a tentativa do monopólio estatal na criação do Direito.
Numa análise propedêutica, deve-se esclarecer que existem no Direito duas correntes divergentes quanto à sua forma (como o Direito se revela) e à sua matéria (como o Direito surge, de onde ele emana). A primeira corrente afirma que o Direito deve ser aplicado na íntegra, sem questionamentos, formando-se uma "Teoria Normativa do Direito" baseada no dokéin. Nessa posição estritamente positivista, o Direito é considerado válido e legítimo em si mesmo. A segunda corrente, por sua vez, ensina que o Direito deve ser aplicado através de um raciocínio questionador, formando-se a "Teoria Interpretativa do Direito" fundamentada no zetéin, que significa "perguntar".
A partir dessa dicotomia surge a seguinte questão: será que o Direito deve ser equiparado à letra da lei e normativamente aplicado sem uma análise axiológica dos acontecimentos sociais?

2. O Movimento Alternativo

Nos primórdios das teorias sobre os direitos, havia uma concepção valorativa chamada de maniqueísta, que se baseava em antagonismos morais para estabelecer o que era certo ou errado. O Direito, por exemplo, estava ligado à idéia de bem, enquanto que o antijurídico representava o mal. A partir da Antigüidade, o Direito passou a ser visto como arte (ars), para alguns, e como técnica (techne), para outros, mas tornou-se, com o passar do tempo e com a evolução da sociedade, cada vez mais dogmatizado.
"Se o Direito é um jogo sem fim (e sem começo), não há como fundá-lo: sua legitimidade é uma questão de crença. Resta saber se esta é a última palavra sobre o assunto".(5) Com base nessa colocação, percebe-se que o aumento exagerado do tecnicismo e do formalismo jurídico começou a afastar o Direito de sua real função social que seria a verificação da verdade na sua aplicação mas, no entanto, utiliza-se apenas da validade como fundamento. O Direito foi se tornando cada vez mais instrumentalizado, desvinculando-se do ideal de justiça e moral.
A insatisfação de alguns para com as injustiças provocadas pelo Direito imposto pelo Estado provocou uma série de discussões sobre os temas "Direito e moral", "justiça e Direito" e "justiça e lei". O resultado desses debates foi o surgimento, inicialmente na Europa, do chamado Movimento Alternativo do Direito e que, no Brasil, teve sua vanguarda no Rio Grande do Sul.
Hoje, o Direito Alternativo, também chamado de Direito "achado nas ruas", está sendo aceito por vários juristas, estudantes e profissionais do Direito que também percebem a falta, muitas vezes, de justiça nos Tribunais, com a finalidade de se questionar a aplicação do Direito, seus fundamentos e associá-los a uma graduação de valor.
Os alternativistas entendem que uma norma injusta não deve fazer parte do Direito e que o legalismo representa um atraso, tendo-se em vista a dinâmica das relações sociais e da sociedade como um todo. Afirmam, ainda, que há uma alienação do Poder Judiciário, mas que isso ocorre sempre em benefício da classe com maior poder aquisitivo.
Através desse Movimento, tenta-se fazer com que as leis injustas não sejam aplicadas, com a finalidade de se alcançar o bem comum e a diminuição das desigualdades, devendo o magistrado, para isso, se utilizar de valores éticos e morais na hora de aplicar o Direito ao caso concreto.
Essa visão alternativista, como foi dito, não ocorreu apenas no Brasil. Na Itália, França e Alemanha, por exemplo, houve o chamado "renascimento do Direito Natural" adotado por Stammler, Del Vecchio e Radbruch. Nos Estados Unidos da América, a Escola Sociológica trouxe o "Realismo Jurídico". Houve ainda a teoria do "Direito Efetivo", estabelecendo que há de existir a supremacia do Direito que nasce efetivamente nas comunidades em detrimento do Direito estatal.
Pode-se citar vários exemplos de decisões de cunho alternativo. Em Pernambuco, por exemplo, uma senhora roubou alimentos numa feira. A sentença do juiz foi no sentido de condená-la a cantar o Hino Nacional todo dia durante o período de um ano, sob o argumento de que, com isso, ela iria respeitar o país e não voltaria a roubar.
2.1. Direito Alternativo e Uso Alternativo do Direito
O alternativismo jurídico pode surgir com várias posturas próprias e distintas, mas a diferenciação precípua a ser feita seria entre o Direito Alternativo e o uso alternativo do Direito.
A principal diferença entre os dois conceitos acima seria o fato de que, enquanto o primeiro procura aplicar um Direito extra-dogmático ou para-estatal, o segundo tenta, ainda dentro da lei, aplicar um Direito mais justo.
O Direito Alternativo também é chamado de Direito Paralelo, pois não estaria enquadrado no positivismo estatal. Sua essência está fundamentada no pressuposto de que o Direito criado pelo Estado não atende às necessidades da sociedade. Essa falta de eficiência do Direito estatal faz com que parte da população se manifeste e crie um "ordenamento" próprio, com novas normas que entram em conflito com o Direito positivado.
O Direito Alternativo stricto sensu seria uma verdadeira oposição ao Direito estatal, pois não aceita que "o Direito é aquele que segue em linha reta, que não é curvo nem oblíquo",(6)sendo chamado por alguns de "instituinte negado".
O uso alternativo do Direito, também chamado de "instituído relido", não representa, por sua vez, uma negação do Direito positivado pelo Estado, mas sim uma tentativa de resguardar a justiça nas decisões jurídicas mediante o questionamento das normas. O surgimento de suas teorias se deu com alguns magistrados europeus que também se sentiam perplexos com a falta de eficiência do Poder Judiciário.
3. Interpretação das Normas Jurídicas
A interpretação tem como objetivo fundamental o estudo dos processos de fixação do sentido e do alcance da norma jurídica e de sua criação, com a finalidade de extrair seu significado, seu conteúdo.
As normas jurídicas têm por base um conceito amplo, geral e abstrato, havendo a necessidade da interpretação das mesmas para que se estabeleça um elo entre sua generalidade e os casos particulares concretos. Por esse motivo, para que se alcance a função real da norma, faz-se mister sua interpretação. "A interpretação visa a fixar o sentido objetivo de um texto jurídico. Mas, que sentido? O da vontade do legislador ou o da vontade da lei ou ainda o estabelecido pela livre convicção do juiz?"(7)
Os métodos de interpretação tentam mostrar o significado ontológico das normas, isto é, como elas são de fato, tentando analisá-las e compreendê-las. "A interpretação não é uma abertura passiva, mas sim uma interação dialética com o texto, uma criação. Deve-se tirar o texto da alienação em que se encontra, recolocando-o no presente vivo do diálogo." (8)
Deve-se distinguir dois aspectos básicos quando se faz uso da interpretação: o onomasiológico, que seria o uso corrente para se designar um fato, e o aspecto semasiológico, ou seja, a sua significação normativa.(9) Deve haver, na interpretação, a determinação no sentido das palavras, o correto entendimento do significado dos seus textos e intenções, tendo-se em vista as decisões dos conflitos.
Muitos juristas entendem que deve haver uma concordância entra a questão da aplicação e a teleologia das interpretações. Mas isso nem sempre se verifica. Para Kelsen, por exemplo, que tem uma visão extremamente metódica e legalista do Direito, quando se faz uma interpretação e a norma é aplicada, nada decorre do mérito, raciocínio ou argumento do intérprete legal, mas de uma vontade competente, ou seja, de conclusões preexistentes e impostas. Kohler, por sua vez, entende que " a interpretação escolhe dentre as muitas significações que a palavra possa oferecer, a mais justa e a mais conveniente. Por esse motivo, a lei admite mais de uma interpretação no decurso do tempo."(10)
As normas jurídicas são juízos prescritivos de dever ser que funcionam como regras de conduta, logo, o intérprete deve buscar o significado de tais imposições para integrá-las à sociedade. Nesse momento, a função do intérprete é buscar compreender a norma de forma distinta da que foi visualizada pelo legislador com a finalidade de perceber sua várias acepções.
Há autores que subdividem a interpretação em técnicas distintas e, nesse sentido, Perelman ensina: "existem duas interpretações que se opõem: a estática e a dinâmica. A estática ou antiga é aquela que se esforça em encontrar a vontade do legislador que sancionou o texto legal, ao passo que a interpretação dinâmica é aquela que, como convém, interpreta o texto em função do bem comum ou da eqüidade, assim como o juiz concebe na análise do caso em espécie; ora sendo o texto interpretado à luz da teleologia da lei, tal como vem sendo admitido pela magistratura avançada, é natural e lídimo buscar a occasio legis em lugar de sobrevalorizar a mens legislatoris, pois nenhum Direito se pode exercer de uma maneira não razoável sem que deixe de ser Direito".(11)
4. Escolas de Interpretação das Normas Jurídicas
A base do Direito ocidental foi fundamentada no Corpus Juris Civilis realizado por Justiniano após a queda do Império Romano do Ocidente, como vimos. Com o decorrer dos anos, o Direito foi se tornando mais técnico e repleto de dogmas impostos como verdade. Talvez o maior exemplo desse tecnicismo tenha sido o Código Napoleônico de 1804 que foi projetado com a pretensão de ser absoluto, sem lacunas, ou seja, qualquer parcela da vida civil teria previsão legal previamente estabelecida. Na verdade essa plenitude não existia.
O século XX foi caracterizado por movimentos de reação a essas normas absolutas e aos postulados fixados hermeticamente. Como ciência humana, o Direito não deveria se ater apenas aos dogmas e às leis, mas tê-las como estruturas que fazem parte do ordenamento jurídico, devendo-se haver uma análise dos acontecimentos sociais e o respeito às mutações sofridas pela sociedade.
A aplicação do Direito não poderia permanecer restrita à concepção de que a única fonte do Direito seria a lei e, por esse motivo, opiniões divergentes começaram a surgir, proporcionando assim, a formação de várias doutrinas pelas Escolas de Interpretação das Normas Juridicas.
4.1. Escola Exegética
Como o próprio nome diz, pois exegese significa ater-se à obra literária minunciosamente, a Escola Exegética tem como base apenas o uso da letra da lei como forma de aplicação do Direito. Ela também é chamada de Escola Legalista e Escola Racionalista e afirma que todo o Direito está contido na lei e apenas nesta. Seu surgimento se deu na França, mas teve vários adeptos, como a Escola Pandectista alemã.
A Escola Exegética foi muito forte durante o século XIX, estabelecendo que qualquer ato ocorrido no meio social estaria previsto numa lei, logo o Direito seria completo e poderia ser aplicado a qualquer caso. Os adeptos de tal Escola entendem que a lei é absoluta, devendo o juiz extrair o significado dos textos para assim aplicá-lo ao caso concreto.
O Direito, para os legalistas, seria o conjunto de normas emanadas e positivadas pelo Estado, ou seja, qualquer outra norma de uso social ou costume deveria ser ignorada. O magistrado deveria exercer apenas a sua função de aplicador da lei, sempre em conformidade com a vontade do legislador, em detrimento dos seus conceitos pessoais e valorativos.
Os avanços tecnológicos provenientes do Capitalismo Industrial proporcionaram à sociedade um processo constante de mutação, fazendo com que os dogmas estabelecidos fossem se tornando ultrapassados, comprovando, desta forma, que o ordenamento jurídico também deveria se adaptar a essa nova realidade.
4.2. Escola da Evolução Histórica de Salleiles
A revisão e a crítica à Escola da Exegese começa na França com Bufnoir através do seu método sistêmico histórico-evolutivo que foi aprimorado por Salleiles e Esmein e chamado, posteriormente, de método da evolução histórica.
O principal fundamento da Escola da Evolução Histórica é a adaptação da letra da lei ao mundo fático, isto é, o Direito positivado pelo Estado deve interagir com a realidade social. "Deve adaptar-se a velha lei aos tempos novos e não abandoná-la. E assim dar vida aos Códigos".(12)
"Segundo o método da evolução histórica de Salleiles, a interpretação da lei não deve ater-se apenas aos antecedentes legislativos e suas condições de nascimento, mas a lei deve ser adaptada às condições do meio social que lhe proporcionam nova vida. Quando se adapta a lei às modificações sociais ocasionadas no transcorrer do tempo, seu sentido evolui paralelamente à sociedade". (13)
4.3. Escola da Livre Investigação de Gény
No final do século XIX surge, na França, a Escola da Livre Investigação (ou Pesquisa) do Direito iniciada por François Gény. Essa Escola não deve ser vista como renovadora, e sim como conciliadora, pois não tenta criar novos métodos de hermenêutica, mas unir princípios da Escola Exegética com as exigências do mundo contemporâneo.
Para Gény, a lei só tem uma intenção, que é aquela que ditou seu aparecimento, mas quando se perceber que a lei não reflete a realidade atual, o intérprete deve fazer um trabalho com bases científicas envolvendo os novos fatos sociais. Sua proposta não visa à exclusão da lei nem diminuí-la, mas como ele mesmo afirma: "Pelo Código Civil, mas além do Código Civil".(14) Haveria uma conciliação entre os dois elementos fundamentais do Direito: o dado (le donné) e o construído (le construit).
A Escola prega que o juiz não deve se apegar unicamente à lei na hora de aplicar o Direito, podendo, nos casos de lacunas, ocorrer uma certa independência ao texto legal, utilizando-se dos costumes e da analogia para solucionar os conflitos. Neste momento, para alguns autores, o magistrado exerce uma função de mero investigador, enquanto que, para outros, sua ação é criadora de direitos.
Uma prova da influência da Escola de Gény está presente no Código Civil suíço de 1907, que reza no seu artigo 1º: "Aplica-se a lei a todas as questões de Direito para as quais ela, segundo a sua letra ou interpretação, contém um dispositivo específico. Deve o juiz quando não encontra preceito legal apropriado, decidir de acordo com o Direito Consuetudinário, e na falta deste, segundo a regra que ele próprio estabeleceria se fora legislador".
4.4. Escola do Direito Livre
A Escola do Direito Livre foi iniciada por Hermann Kantorowicz (com o pseudônimo de Gnaeus Flavius) através da publicação em 1906 da ousada A Luta pela Ciência do Direito. Tal obra traz uma revolucionária concepção de interpretação e aplicação do Direito que defende a plena liberdade do juiz no momento de decidir os litígios, podendo, até mesmo, confrontar o que reza a lei.
O ordenamento jurídico, para os adeptos do Direito Livre, não deve estar vinculado apenas ao Estado, mas ser livre em sua realização e constituir-se de convicções numa relação de tempo e espaço, isto é, o Direito Positivo não deve ser apenas imposto pelo Estado, mas também legitimado pela sociedade em razão de suas necessidades. O Direito não deve ser formado por dogmas inquestionáveis, mas sim, respeitar os fatos ocorridos no âmbito social e suas conseqüências práticas.
Quando da aplicação do Direito ao caso concreto, o que deve prevalecer é a idéia do Direito enquanto Justiça, podendo o juiz agir não apenas através da Ciência Jurídica mas também pela sua convicção pessoal. Nessa ocasião o magistrado não estaria usando seu poder de decidir apenas, mas sua função de legislador, seu poder legiferante, com o animus de aplicar o Direito que sua concepção perceber justo.
Como ensina Aftalión, "o que caracteriza em geral o movimento do direito livre é a liberação do jurista em relação ao estatismo e, portanto, a liberação do intérprete da submissão absoluta aos textos legais, que inclusive poderá deixar de lado em certas oportunidades". (15)
O arbítrio do juiz seria de grandes proporções, podendo estar embasado na lei ou fora desta, ou seja, o magistrado, na busca pela Justiça, poderá até mesmo decidir contra legem. Há vários casos famosos sobre a aplicação do Direito Livre. Um dos mais notórios aplicadores dessa concepção de Direito foi o juiz francês Magnaud, que sempre decidia os conflitos de interesses à luz do seu critério pessoal de Justiça.
5. Considerações Finais
Uma das características do Direito Dogmático, autopoiético, como vimos, é a proibição do non liquet, isto é, o magistrado deve solucionar todos os conflitos intersubjetivos compreendidos nos limites de sua jurisdição e competência.
Partindo do pressuposto da obrigatoriedade de decidir do juiz, concepções distintas sobre a aplicação do Direito foram suscitadas pelas diversas Escolas de Interpretação das Normas Jurídicas. Os extremos são representados pela Escola Exegética, que afirma que o único Direito aplicável é a lei; e o Sistema do Direito Livre, que defende a liberdade absoluta do juiz quando da aplicação do Direito ao caso concreto, podendo até mesmo decidir arbitrariamente contra legem.
Acreditamos que a função do magistrado moderno é essecialmente ampla, logo não se deve ater apenas à exegese da letra da lei para estabelecer sua convicção em relação ao caso particular, mas sim compreender e até mesmo expandir o significado da norma através de uma análise hermenêutica, mas nunca negá-la, como prega a Escola do Direito Livre.
O Direito deve acompanhar as transformações e perceber os anseios da sociedade hodierna e, nesse sentido, muito acrescenta o Movimento Alternativo que defende a aplicação de um Direito mais justo e que não se resume à lei positivada pelo Estado. O próprio ordenamento jurídico reconhece a necessidade da observância dos clamores sociais, como reza o artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil: "Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum".
6. Bibliografia
1. ADEODATO, João Maurício. Ética, Jusnaturalismo e Positivismo no Direito. Revista da OAB - Seccional de Pernambuco, Recife, n. 24, 1997.
_____. Modernidade e Direito. Revista da Esmape, Recife, v. 2, n. 6, 1997.
AFTALIÓN, Enrique R.; VILANOVA, José. Introducción al Derecho. 2. ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1991.
COELHO, Luiz Fernando. Do Direito Alternativo. Bonijuris, 1992.
_____. Lógica Jurídica e Interpretação das Leis. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981.
DANTAS, Francisco Wildo Lacerda. Uma abordagem hermenêutica sobre o chamado Direito Alternativo. Revista dos Tribunais, n. 681, 1992.
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994.
FREITAS, Juarez. Hermenêutica Jurídica: o juiz só aplica a lei injusta se quiser. Porto Alegre: Ajuris, 1987. p.39.
GUSMÃO, Paulo Dourado. Introdução ao Estudo do Direito. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991.
MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. 21. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993.
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 1994.
_____. Lições Preliminares de Direito. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 1994.
TORRÉ, Abelardo. Introducción al Derecho. 10. ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1991.
________________________________________________________________
(1) FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 57.
(2) ADEODATO, João Maurício. Ética, Jusnaturalismo e Positivismo no Direito. Revista da OAB - Seccional de Pernambuco, Recife, n. 24, 1997. p.16.
(3) Apud FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio, op. cit., p. 48.
(4) Cf. ADEODATO, João Maurício. Modernidade e Direito. Revista da Esmape, Recife, v. 2, n. 06, 1997. p.261.
(5) FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio, op. cit. p.350.
(6) DANTAS, Francisco Wildo LacerdaUma abordagem hermenêutica sobre o chamado Direito Alternativo. Revista dos Tribunais, n. 681, 1992. p.277.
(7) GUSMÃO, Paulo Dourado. Introdução ao Estudo do Direito. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p.263.
(8) GADAMER, Hans Georg. Wahrheit und Methodeapud FREITAS, Juarez. Hermenêutica Jurídica: o juiz só aplica a lei injusta se quiser. Porto Alegre, Ajuris, 1987. p.39.
(9) Cf. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio, op. cit., p.255.
(10) Apud COELHO, Luiz Fernando. Do Direito Alternativo. Bonijuris, 1992. p. 9.
(11) PERELMAN, Ch. À Propos de la Règle de Droit: reflexions de méthode, apud FREITAS, Juarez, op. cit., p.42.
(12) MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. 21. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 376.
(13) Cf. AFTALIÓN, Enrique R.; VILANOVA, José. Introducción al Derecho. 2. ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1991. p. 284. Tradução livre. "...según el método de la evolución histórica propiciado por Salleiles, la interpretación de la ley no debe constreñirse a los antecedentes legislativos y las condiciones que le dieron nacimiento: debe adaptarse la ley a las condiciones cambiantes del medio social, que le insuflam nueva vida. Al adecuarse la ley a las modificaciones sociales operadas em el transcurso del tiempo, su sentido evoluciona paralelamente al cambio de la sociedad".
(14) MONTORO, André Franco, op. cit., p. 378.
(15) Cf. AFTALIÓN, Enrique R.; VILANOVA, José, op. cit., p. 284. (Tradução livre). "...lo que caracteriza en general al movimiento del derecho libre es la liberación del jurista del estatismo y, por tanto, la liberación del intérprete de la sumisión absoluta a los textos legales, que incluso podrá dejar de lado en ciertas oportunidades".

LIBERDADE, IGUALDADE E FRATERNIDADE

O ano de 1.789 marca a primeira vitória na luta pelo reconhecimento dos Direitos Humanos, com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, conquista da Revolução Francesa cujo lema era: liberdade, igualdade, fraternidade.
O século seguinte pode ser definido como o século da liberdade. Ainda que a história da luta pela liberdade seja contígua à própria história da humanidade, será durante o século XIX que o ideal de liberdade se consolida. Caem, então, os últimos rincões de escravidão. Esta liberdade "física" - traduzida no direito de ir e vir, e permanecer - é a mais primária delas e, porque não dizer, a mais essencial, posto que todas as outras modalidades de liberdade nela se apóiam. Todavia, liberdade tem significados muito mais amplos do que apenas a da locomoção, como liberdade de pensamento, de expressão, de consciência, de crença, de informação, de decisão, de reunião, de associação, enfim, todas estas (e outras tantas) que asseguram a vida condigna da pessoa humana. Porém, para que a pessoa seja, de fato, livre, é necessário, primeiramente, que ela seja liberta da miséria, do analfabetismo, do subemprego, da subalimentação, da submoradia. Assim, a luta pela liberdade continua não apenas para conservar as já conquistadas, mas para assegurar a verdadeira liberdade a quem ainda não a conquistou.
O século passado - o século XX - foi o século da igualdade. Desde suas primeiras décadas, houve movimentos pelo reconhecimento da igualdade entre homens e mulheres, entre brancos e negros. Será no correr do século XX que se formará todo o ideário contra a discriminação baseada em sexo, raça, cor, origem, credo religioso, estado civil, condição social ou orientação sexual. Não se pode tratar de modo diferente pessoas simplesmente por suas características peculiares; ainda que tais características sejam visíveis, não se pode diferenciar indivíduos a partir delas, se não há qualquer critério jurídico que justifique tal diferenciação. Todavia, não se pode olvidar que a verdadeira igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente, os desiguais. Perpetua-se idêntica injustiça diferenciar indivíduos, v. g., por sua cor de pele, como dar tratamento uniforme a pessoas que tem, de fato, motivos para serem tratadas de modo diferenciado (ninguém se sente discriminado pela lei que obriga atendimento preferencial a idosos, grávidas ou portadores de deficiência). Assim como pela liberdade, a luta pela manutenção e extensão da verdadeira igualdade é constante.
A este século que se inicia cabe levantar a última bandeira da Revolução Francesa: a fraternidade. Faz-se preemente que a solidariedade norteie as ações de governantes, empresários e das pessoas em geral. Neste novo século o foco da proteção dos direitos deve sair do âmbito individual e dirigir-se, definitivamente, ao coletivo. São direitos inerentes à pessoa humana; não considerada em si, mas como coletividade; o direito ao meio-ambiente, à segurança, à moradia, ao desenvolvimento. É necessário que tomemos consciência de que nossos direitos apenas nos serão assegurados de fato, quando estes forem também garantidos para todos os demais. Enfim, é o momento de se realizar o bem comum.


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Kant e a mediação entre espaço e tempo

Kant e a mediação entre espaço e tempo

(Continuação do tema "Ser e Conhecer")


  1. Kant diz que o espaço não pode ser percebido empiricamente porque o simples ato de situarmos alguma coisa "fora" de nós já pressupõe a representação do espaço. O espaço não é portanto uma propriedade das coisas, mas uma forma sobreposta às coisas pela minha intuição delas.
  2. Mas aí o espaço está identificado com o "fora", com a exterioridade, e não posso, só com base na pura representação da exterioridade, dizer que algo está fora de mim: esta afirmação é claramente a de uma relação entre o fora e o dentro, e pressupõe portanto a representação de ambos. Só que o "dentro", para Kant, é o puramente temporal e inespacial: o espaço é a forma a priori da exterioridade como o tempo é a da interioridade. Ora, se só possuo uma representação espacial do fora, enquanto do dentro tenho somente uma temporal, não posso, rigorosamente, dizer que nada em particular está fora de mim, porque a existência espacial em geral já consiste em estar fora. Dizer que algo está fora é, então, apenas dizer que não tem uma existência puramente temporal, mas que além de existir no tempo tem alguma outra determinação especificamente diferente. Em que consiste essa determinação? Parece impossível defini-la exceto negativamente, isto é, dizendo que na coisa percebida fora há um algo que não é tempo.
  3. A pura existência temporal, inespacial, -- que Kant identifica com a interioridade -- apresenta similar dificuldade. Se tentamos dizer em que consiste, temos de nos contentar com excluir o espaço, e aí se torna impossível distinguir entre a inespacialidade e a simples inexistência.
  4. Essas dificuldades provêm da identificação entre "espaço" e "fora", entre "tempo" e "dentro". Sem admitirmos um "espaço interior" e um "tempo exterior", não temos como dizer que alguma coisa está fora de nós, porque isto resulta em excluí-la do tempo, nem dentro, porque resulta em excluí-la do espaço, suprimindo em ambos os casos sua existência empírica, que segundo Kant consiste precisamente em estar no tempo e/ou no espaço.
  5. Sem a mediação entre espaço e tempo, nenhuma percepção é possível. Mais ainda, essa mediação não pode ser puramente racional, mas tem de estar imbricada na estrutura mesma da percepção, porque caso contrário o ato de situar algo dentro ou fora seria a conclusão de um raciocínio e não um ato de percepção, que é precisamente o que Kant diz que ele é. No entanto, o conceito dessa mediação é incompatível com a redução kantiana do espaço e do tempo a formas a priori da sensibilidade projetadas sobre as coisas; porque a exclusão mútua do dentro e do fora constitui, para Kant, a estrutura mesma do ato de percepção: se houvesse um território intermediário entre tempo e espaço, esse território seria ele próprio a suprema forma a priori da sensibilidade, abrangendo e distinguindo espaço e tempo. Mas não há em Kant menção a esse terceiro fator: além do espaço e do tempo, há só as categorias da razão.
  6. Ora, esse fator mediador é absolutamente necessário, e a partir do momento em que o admitimos já não podemos aceitar a doutrina de que espaço e tempo são formas projetadas, pela simples razão de que o "dentro" e o "fora", portanto o espaço e o tempo, perderam seu caráter absoluto de categorias e, tornando-se relativos a um terceiro fator, se contaminaram perigosamente de um componente empírico.
  7. Ou é impossível distinguir dentro e fora, ou essa distinção tem algo de empírico e portanto espaço e tempo não são formas a priori.
  8. O terceiro fator, que nos tira desse imbroglio, é, este sim, uma forma a priori da sensibilidade, e se chama existência(subentendendo-se: "existência versus inexistência"). Só se pode perceber como existente o que tem existência, e ter existência é estar inseparavelmente — embora sob aspectos distintos — no espaço e no tempo. Do mesmo modo, o inexistente é percebido como ausente do espaço e do tempo, e esta ausência ajuda a compor o quadro onde estão presentes as coisas presentes. O que quero dizer com "sob aspectos distintos" é que aquilo que é inespacial em essência e no seu puro conceito tem de se tornar espacial existencialmente esecundum quid para poder ser percebido, como por exemplo a tristeza ou a alegria que "em si" são pura temporalidade inespacial mas só podem ser vivenciadas em algum lugar do espaço (interno e externo), pela simples razão de que não vivenciamos empiricamente conceitos e essências puras, mas coisas e estados que existem no espaço e no tempo. Mutatis mutandis, o intemporal "em si" tem de se temporalizar existencialmente para existir ante a percepção.
  9. Mas o mediador, para operar essas chaves da percepção, tem de ser supra-espacial e supratemporal. A forma a priori que denomino existência tem portanto dentro de si o quadro inteiro das distinções: temporal-inespacial, temporal-espacial, espacial-atemporal e espacial-temporal. Se não o tivesse, não poderia projetá-las sobre os dados da experiência. Mas, para que o tenha, é preciso que ela própria não dependa dessas distinções, e sim se estruture internamente segundo uma distinção muito mais abrangente, que é a do real e do irreal, o primeiro constituindo-se da dupla de polos temporal-espacial(isto é, a essência temporal que se espacializa existencialmente) e espacial-temporal (a essência espacial que se temporaliza existencialmente) e o segundo da dupla espacial-atemporal etemporal-inespacial, ambos constituídos de essências puras não existencializáveis, ou meras possibilidades. Por isto defino a metafísica como ciência da possibilidade (e impossibilidade) universal, isto é, como quadro delimitador não só do conhecimento mas do real mesmo. (1) Neste sentido, a estrutura da percepção já tem uma estrutura dedicidamente metafísica.
  10. Kant admitiu o par existência-inexistência apenas como categoria da razão, mas obviamente ele está embutido já na estrutura mesma da percepção, na medida em que todo perceber tem uma natureza escalar e contrastante e consiste em notar não só as presenças, mas as ausências que lhes servem de pano-de-fundo. Os próprios juízos de existência seriam impossíveis se não houvesse, com anterioridade lógica se não cronológica, a percepção de existência, a qual por sua vez não pode ser concebida senão como oposto complementar dapercepção de inexistência. O ver alguma coisa não pode ser concebido senão como não ver alguma outra coisa — por exemplo, o oco da sua ausência — no lugar dela.
  11. Tempo e espaço são formas da existência, bem como — negativamente — da inexistência. Quando, através de sua manifestação espacial, percebo algo que em si não é espacial, como por exemplo uma melodia, o que estou percebendo é uma existência parcial e deficiente: a melodia não existe como substância no sentido físico do termo, mas como efeito da ação de determinados corpos — os instrumentos de música, por exemplo, ou os órgãos da fonação humana. Percebo, no mesmo instante, que essa melodia tem uma estrutura matemática, a qual por sua vez é independente do tempo e do espaço, e que neste sentido tem uma existência ainda mais deficiente, como mera potência que é. Se eu não pudesse perceber essas formas deficientes, também não poderia perceber as eficientes ou plenas que lhes fazem contraste e que são perceptíveis justamente por esse contraste.
  12. Existência-inexistência é, pois, forma a priori da sensibilidade e não somente da razão. Já o tempo e o espaço não podem ser formas a priori, mas apenas o resultado da diversificação da experiência quando esta é enfocada sob a categoria existência-inexistência, donde resulta a percepção diferenciada do espacial-temporal, do espacial-intemporal, etc.
  13. De outro lado, existência-inexistência não poderia ser uma forma a priori da sensibilidade se não fosse também uma forma a priori dos dados sensíveis em si mesmos, de vez que o mais simples ato de percepção depende de certas qualidades que têm de se apresentar nos objetos mesmos e sem as quais não poderíamos percebê-los. Existência-inexistência é ao mesmo tempo categoria gnoseológica e ontológica: é a forma da percepção dos objetos no espaço e no tempo e inseparavelmente a forma da presença desses objetos no espaço e no tempo.