SÓCRATES

Não posso me chatear por levar um chute de Burro, é difícil levar Burro ao Tribunal, há muito tempo tento levá-los a ter consciência, saber que o único bem é a sabedoria e o único mal é a presunção do saber. É bom ter ideias sobre o que se conhece, não basta ter somente opiniões sobre as coisas, consideremos todas as opiniões, mesmo que não concordemos com elas. O que importa é estar de acordo comigo mesmo e nunca fazer o contrário daquilo que penso.

EU SEI QUE NADA SEI... SOCRÁTES...

30 de abril de 2013

A OBRIGAÇÃO COMO DÉBITO (SCHULD) E RESPONSABILIDADE (HAFTUNG) - RELAÇÃO COMPLEXA


A OBRIGAÇÃO COMO DÉBITO (SCHULD) E RESPONSABILIDADE (HAFTUNG) - RELAÇÃO COMPLEXA

A obrigação é o vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fica adstrita para com outra à realização de uma prestação (art. 397), definição que abrange, no conjunto da relação, (1) o dever de prestar, que recai sobre uma das partes (o devedor), (2) o poder de exigir a prestação (do credor), e (3) a prestação, isto é, uma ação positiva (facere) ou ação negativa (non facere).
Contudo, parte da doutrina alemã estruturou a relação creditícia em dois elementos centrais: o debitum (Schuld - débito) e a obligatio (Haftung – responsabilidade).
 O débito representado pelo dever de prestar, na necessidade de observar determinado comportamento; e a responsabilidade, a "sujeição dos bens do devedor ou de terceiro aos fins próprios da execução, ou melhor, na relação de sujeição que pode ter por objeto, tanto a pessoa do devedor (antigo direito romano), como uma coisa ou complexo de coisas do devedor ou de terceiro".
Antunes varela, com base em Diez-Picazo, adverte-nos que Shuld não significa apenas dívida, mas também culpa (pressuposto da responsabilidade) e que Haftung, por sua vez, quer dizer, para além de responsabilidade, também garantia. E mais, que teoria relação complexa, embora popularizada pelos alemães, pode também ser encontrada no seio dos franceses, pelos termos devoir e engagement, e nas obras inglesas, com as expressões duty e liability. A doutrina teve forte repercussão não só na doutrina portuguesa, como também na italiana e brasileira
O certo é que desde muito, os juristas apontam como elemento essencial às obrigações: o dever de prestar (do devedor) e o correlato direito à prestação (do credor), mas a (suposta) novidade trazida pela doutrina alemã, iniciada com as investigações de Von Amira (segundo Antunes Varela), está no fato de ter considerado os dois momentos sucessivos como relações distintas, de existência autônoma e natureza jurídica diferenciada.
O débito passa a ser definido como uma relação de caráter pessoal entre credor e devedor, cuja consequência mais visível é a exclusão da conditio indebiti, uma vez que o devedor cumpra o dever de prestar. Por sua vez, o credor é considerado como titular apenas de uma expectativa  jurídica, fundada na soluti retentio, sem que possua, entretanto, na relação obrigacional, um poder de exigir. Há apenas a confiança do credor em que o devedor cumprirá, por ser juridicamente devida a prestação.
No tocante à responsabilidade, é vista como uma espécie de direito real de garantia e, de acordo com Antunes Varela, no âmbito das garantias reais, como um direito de penhor: “penhor que incidiria, não sobre os bens do devedor, individualmente ou concretamente considerados, mas sobre o património como uma universalidade, distinta dos bens uti singuli que em cada momento a integram".
Posição teórica adotada para conciliar o poder que tem o devedor de alienar os seus bens com o direito do credor de atingir o patrimônio do inadimplente para, independentemente da ação executiva e do vencimento da obrigação, manter a garantia patrimonial (vide Conservação da garantia patrimonial - art. 605 e segs).
Para justificarem a autonomia entre débito e responsabilidade, os defensores da teoria da relação complexa Shuld und Haftung argumentam com situações específicas, na tentativa de demonstrarem que pode existir débito sem responsabilidade e vice-versa.
Apresentam, por exemplo, as obrigações naturais, em que há débito desprovido da responsabilidade, já que o credor, titular do direito à prestação (com o poder da soluti retentio) não tem nenhuma ação creditória ao dispor, no caso de inadimplimento.
Outros exemplos seriam os casos de hipoteca constituídos por terceiro ou recaindo sobre coisa do devedor que veio a ser adquirida mais tarde por terceiro. Nesses últimos casos, haveria débito incidente sobre o devedor, mas a responsabilidade recairia (ou viria a recair) sobre terceiros.
Também, as dívidas condicionais ou futuras, por exemplo, na obrigação futura (art. 654), na consignação de rendimento (art. 656), na obrigação garantida pelo penhor (art. 666, 3) ou pela hipoteca (art. 686, 2), em que há, durante um certo período a existência do vínculo da responsabilidade, mas sem a relação de débito correspondente.
Nesses casos, como explica Antunes Varela, a data da hipoteca ou do penhor não é, nestes casos, a da constituição eventual da dívida (nas hipóteses de dívida futura) nem da verificação da condição, mas a do registo, quanto à hipoteca, e a da constituição do penhor, quanto ao crédito pignoratício.
Outra hipótese também suscetível de ser apontada é, como na herança (pelas dívidas do falecido), quando a responsabilidade engloba apenas uma parte do patrimônio do devedor (herdeiro), ou como na dívida solidária, em que cada um dos devedores responde pelo total da obrigação, apesar do débito de cada um corresponder apenas à quota parte da prestação.
“Que dizer de semelhante concepção? Qual o seu mérito no plano da ciência jurídica...?”, pergunta Antunes Varela.
As soluções apresentadas podem tranquilamente ser inseridas nos quadros da chamada doutrina clássica (da relação unitária), sem a necessidade de desmembramento da obrigação em duas relações distintas.
Ademais, as obrigações naturais não são verdadeiramente obrigações jurídicas e nem geram deveres jurídicos: “trata-se de meros deveres morais ou sociais juridicamente relevantes, que se não caracterizam apenas pela falta da ação creditória”
Na fiança, o fiador não só é responsável, como também é devedor acessoriamente, vez que a obrigação do fiador é acessória da que recai sobre o devedor principal (art. 627, 2), dado que  o fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credo (art. 627, 1).
O fiador garante ao credor de que a obrigação será cumprida e, portanto, fica a ela adstrita pessoalmente, tanto que mesmo em caso de anulação por incapacidade, falta ou vício de vontade do devedor, a fiança continua sendo válida (art. 632, 2).
Com relação à hipoteca ou penhor constituído por terceiro, o dever além de sujeito do débito (dever de prestar), tem também a responsabilidade (responde) pelo cumprimento da obrigação, pois que pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora (art. 601).
É certo que a penhora, como garantia real, precede na ação executiva, independentemente dos bens do devedor, mesmo assim, os bens deste continuam respondendo pelo cumprimento da dívida e podem (legitimamente) ser inseridos na ação.
E quanto ao terceiro, não é ele o devedor, já que a responsabilidade incide apenas sobre a coisa hipoteca, figura clássica do direito real de garantia, em que a coisa responde pelo débito (caráter acessório da hipoteca)
No caso das dívidas futuras ou condicionais, há na verdade, nos dizeres de Antunes Varela, na hipoteca e penhor destinados a garantir dívida futura, não uma responsabilidade sem débito, e sim um direito real de garantia condicional.
No caso da herança, o consequente ingresso do herdeiro não altera a fisionomia das creditórias anteriormente existentes, pois sucede nos débitos do de cujus com a mesma configuração na qual antes existiam.
No caso da solidariedade passiva, também não é certo afirmar que a responsabilidade excede o débito. O devedor solidário não é devedor apenas de uma quota parte. Pelo contrário, pelo fato de serem solidários, cada um dos devedores tem o débito e a responsabilidade pelo cumprimento integral da prestação, porque é devedor da prestação total. Tanto é que o caso julgado entre o credor e um dos devedores oposto pelos restantes devedores, desde que não se baseie em fundamento que respeite pessoalmente àquele devedor (art. 522).
Ademais, como ensina Antunes Varela, convém ressaltar que: i) a responsabilidade não se constitui sem uma dívida, ainda que futura ou condicional; ii) ela não persiste (nos casos apontados pela teoria da relação complexa do Schuld und Huftung) depois de extinto o débito correlato.

ROGERIO

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